Éramos felizes e não sabíamos

Sempre gostei de livros e de leitura. Mesmo quando não sabia ler, ainda assim, em minha ingenuidade, queria saber o que aquelas pequenas letrinhas poderiam guardar de interessante.

Lembro-me que gostava de escola e minha cartilha, a então “Caminho Suave”, trouxe-me o primeiro letramento. Lembro-me que as frases que vinham, a primeira, se bem me lembro, foi “o bebê bebe na cuia”, sempre eram motivo de alegria, mesmo que, para alguns linguistas atuais, a frase não tenha significado - a maioria nem sabe o que é uma cuia.

Meu primeiro livro também marcou demais. Hoje vejo que era histórico demais para a minha idade: “Tibicuera” de Érico Veríssimo.

Os livros novos, de folhas branquinhas me transportavam para saber o que teria em seu interior: eu adorava lê-los.

Meu pai se chama Silvio e sou a primeira filha, apesar de que, perguntando para minha mãe se seria o mesmo nome se eu nascesse menino, ela disse que não, pois não gostava do mesmo.

Lembro-me do dia (deveria ter apenas três ou quatro anos) que fiz necessidades fisiológicas em lugar proibido – o corredor da casa de minha avó materna. A lembrança vem do medo que senti diante do perigo de ser deflagrada.Gostava muito em minha infância de brincar de casinha e de escolinha. Será que já era minha aptidão? Não sei.

Ir à feira popular aos domingos era uma alegria. Morava, então, em Diadema, ABCD paulista. Comíamos, rotineiramente, pastéis da banca do japonês e voltávamos felizes. Éramos três filhos nessa época, meu pai e minha mãe.

Um primeiro, ou talvez um dos primeiros dias na escola, foi traumatizante. Em minha timidez, segui o fluxo de alunos que se dirigiam ao refeitório na hora de recreio para tomar um copo de algo que não sabia o que era. Nunca gostei de mingau de aveia. O que me fez jogar fora o copo, com um medo terrível e indescritível de que me vissem em tal atitude criminosa.

Cursei os primeiros anos escolares em Diadema, São Paulo. Menina tímida, vinda do interior, primeira filha de quatro, três meninas e um menino, lembro-me dos medos dessa fase.

Apesar disso, já era semi- alfabetizada, pois minha mãe, sempre muito presente na vida escolar dos filhos, me auxiliou e já algumas palavras eu escrevia e lia outras. Isso me ajudou a ter menos dificuldade.

Conversava pouco, poucos amigos se dirigiam a mim, mas me lembro que gostava de ir à aula e da professora. Era uma aluna entre as melhores, mas nunca a nota “dez”.

O uniforme, as normas sempre cumpridas à risca, era impecável e e muito cobrado seu uso.

As classes não eram mistas, meninos junto dos meninos e as meninas junto das meninas, nas classes dispostas por classificação: A, as melhores e assim por diante, regressivamente por rendimento.

Lembro-me com mais clareza de minha professora da 2ª série do primeiro grau.

Ela – eram em sua maioria mulheres – chamava-se Cecília. Era, para mim, grande em tamanho – muito alta – e em importância. Sempre muito bem vestidas, todas significavam o poder e o respeito por elas era indiscutível.

Lembro-me que nas aulas de leitura, quando eu tinha muita vontade de ler com a facilidade com que elas liam, eu “viajava” nas pequenas frases da cartilha.

Mais tarde, já amante da leitura, tive uma professora que talvez tenha sido aquela que me incentivou a ser hoje profissional das letras. Uma professora adorável, muito profissional e didática, apesar do tradicionalismo, que me ensinou a Gramática e tudo o que basicamente aprendi da Língua, hoje tão maltratada. Ela era dona Maria Lúcia Barbim, mais tarde minha homenageada em um livro autoral.

Não tenho mais acesso ao meu histórico escolar, devido ao tempo.

Só posso descrever o que vi e que guardei na memória:

Notas boas, que eram contadas na época de 0 a 100, sempre obtive médias acima de 80, isto que nunca fui aluna nota dez em exatas ( já demonstrava mais facilidade em humanas, especialmente Português ).

Detalhe: sempre fui mal em Educação Física. (mal para a época era obter 70).

Muito franzina e tímida, nunca conseguia fazer os exercícios propostos no início e no final do ano. Jogar a bola ao cesto então, era um suplício para mim. Isso me traumatizou por muitos anos e hoje posso falar sem tristeza, mas lembro-me da vergonha, do medo e da vontade de me enfiar num buraco quando tinha que passar pelo que passei.

A imagem do diretor

Se a rigidez nas normas e regras era muita, como retratar então a imagem que se traz do diretor da escola.

Esse, talvez por serem os anos de chumbo e uma época na qual a mulher tinha poucas funções superiores e de destaque , eram formados na maioria por homens.

Sempre muito sisudos e bravos, o meu primeiro o era também.

De estatura mediana, cabelos já meio ralos, chegar até ele era impossível. A não ser quando se tinha aprontado alguma.

Dento da escola a indisciplina existia em casos raros e quando um aluno aprontava demais, este já tinha levado reguadas e outros insultos da professora. Aí vinha a função do diretor, que prontamente expulsava o aluno, que dificilmente era aceito em outra escola. Ou ia marcado como se fosse um criminoso.

Nunca precisei chegar perto de tal autoridade, por isso a pouca lembrança dele. Graças...

Minha memória sobre o segundo grau reflete aquilo que é natural na adolescência.

Fui levada a fazer o ensino médio porque sempre quis estudar. Naquela época, anos setenta, tínhamos uma maior certeza de emprego. Nem todos tinham acesso ao segundo grau e aquele que conseguia estava em posição de destaque.

Minha escolha foi pelo ensino médio sem especificação profissional, apesar de haver áreas de conhecimento que escolhíamos sem saber muito sobre o que fazíamos. Meus pais que não tiveram muito estudo nunca optaram. Assim, fiz o ensino médio.

Já trabalhava nessa época e meus estudos, por serem noturnos, já não tinham muita qualidade.

Acontecia que, como jovem, já na idade de namorar, casei-me cedo logo após concluir o 3º ano.

Ainda, mais tarde, depois de ter tido meus filhos, é que resolvi fazer o curso de Letras pela faculdade particular mais acessível no sentido de ser na mesma cidade e não ser muito dispendiosa para transporte e valor mensal.

Escolhi o que sempre gostei e amo o que faço. Sou hoje professora do Ensino Público Estadual e leciono em uma escola profissionalizante, o SENAI, que me trazem muita satisfação profissional.

Lembro-me pouco dos primeiros dias de aula. Era tímida, quase não conversava. Não fiz o pré, ou hoje o primeiro ano. Assim , já com 7 anos cursei o primeiro ano.

Quanto ao prédio da escola, achei grande demais, senti-me um peixe fora d' água.

No sentido de rigidez e normas, condutas e respeito fomos unânimes em perceber que éramos felizes e não sabíamos.

Existia naquela época a obrigatoriedade do uniforme, passado impecavelmente, meias de tamanho e brancura, tudo muito, muito limpo mesmo.

Quanto aos prédios, sempre muito antigos e fechados, eram grandes demais, sentia-me um peixe fora d' água. Acredito que não percebíamos um espaço acolhedor. Era pouco agradável.

Os alunos, sempre muito disciplinados, raramente tinham voz ativa ou podiam criticar, dar opiniões.

De qualquer forma, aprendi com os erros e acho que de tudo tirei bons frutos para meu desempenho profissional atual.

Éramos felizes e não sabíamos.

Silvinhapoeta
Enviado por Silvinhapoeta em 30/10/2018
Reeditado em 02/11/2018
Código do texto: T6490494
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