O Trem de Oriente
O Trem de Oriente
Quando se é criança, não se mede o tempo pelos ponteiros dos relógios. Quando se é criança, o relógio vale apenas para enfeitar os braços, cobrir a nudez das paredes, ostentar ouro ou prata. Quando se é criança, o tempo é medido pela sirene da fábrica, pelas campainhas das escolas e, principalmente, pelo apito do trem!
O trem marcou meu tempo. Muito mais, demarcou meu tempo. Aprendi a amá-lo pelas mãos trêmulas de meu avô. Nele ficou a última imagem de meu avô. Uma imagem desenhada pelo apito, pelo aceno na curva da linha, pelo desaparecer do último vagão.
O trem levou de mim meu avô e minha avó. Não fui mais à estação vê-lo partir ou chegar. Desde então, ele, para mim, é uma lembrança, é um apito na curva da vida, é ausência de abraço de avô. É ausência de leite com café e de pão com manteiga servidos na mesa da avó.
O trem levou embora meus avós, desaprendi a pedir as bênçãos! Hoje ouvi Caetano Veloso cantando "Trem das Cores". O trem voltou apitar na linha das minhas memórias. A bênção vô, a bênção vó.