Assim ou ... nem tanto. 156
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“ Meu fado é o de não saber quase tudo”
Manoel de Barros
O mundo é o mesmo mas o olhar é sempre outro. O modo como vemos muda também com os olhos que temos. Não importa a cor, importa quem tem o olhar e o usa, quem vê, o que vê, como vê. Importa, diria, o homem ou a mulher que olham, a sua inteligência, apetrechamento sensorial, a sua humanidade. E o que era um só lugar, quiçá monótono, invariável, do mesmo tom a todas as horas, alberga outros em si e se transforma, evolui e muda permanentemente. É, muitas vezes, a maravilha que nunca vimos, o milagre de que ninguém antes nos falou. Na madrugada daquele dia, ainda com sono, ainda moído das tarefas da véspera, não reparei em nada, não vi que me olhavas com ternura, não sei como era o caminho. Andei por andar e o mundo que tinha era um vago fluir de acidentes de terreno, de rostos difusos, de sonolência. Hoje, de mão dada contigo, vendo o que vejo e o que me mostras, quão distinto é o tempo, o modo, o afeto, o jeito de estar! Há, confirmaste-o agora, mundos que não vi nem verei, espaço que por ser infinito me escapa do entendimento e há, tranquilamente marginais, muitos outros mundos que posso apreciar e sentir, que posso aprender e viver, que podem crescer em mim em interesse e importância. Nunca saberei dos problemas de quem, sem olhos, escava o lar no seio da terra, de quem voa pelo pólen, de quem, minhoca, ave ou peixe se cumpre em mundos que não são o meu.