Sobre a cara de Salvador
Em uma crônica andeja, que rabisquei, faz algum tempo, declarei que Salvador tem uma cara franciscana.
Minha declaração provocou controvérsias mis!
O que, a rigor, não me surpreendeu; e muito menos me perturbou. Afinal, ninguém é obrigado a ter a mesma opinião sobre o perfil da primeira capital do Brasil.
De muitos internautas recebi extensos e malcriados e-mails, com a pergunta que eu esperava: "Uma cara franciscana? Por que não uma cara jesuítica?"
Quase todos, mostravam os argumentos que entendiam favoráveis à tese de que os seguidores de Inácio de Loyola e não filhos de Francisco de Assis tinham dado à capital baiana sua real e definitiva fisionomia.
Diante das observações, algumas contundentes, senti-me no direito de esclarecer - e o faço agora - por que, naquela crônica, dera a Salvador uma feição seráfica.
Começo, dizendo que não sou historiador.
Que não passo de um pífio cronista; nada mais do que um pífio cronista. Devo, pois, ser perdoado pelas asneiras que já disse - e as que ainda poderei dizer - ao tratar desse assunto que, sem dúvida, desperta ciúmes...
Muito bem. Lembro, que não é d´agora que sou tachado de parcial, quando chamo Salvador - paraíso que encontrei para morar, e lá se vai quase meio-século - de uma cidade franciscana.
A acusação parte, principalmente, de amigos sabedores da minha inarredável devoção pelo Poverello da Úmbria.
A acusação, porém, carece de fundamento. Sempre extravasei minha admiração por Francisco de Assis de maneira sensata, educada, racional, sem excessos. Nada de fanatismo.
Por isso, não cometeria a estultice de roubar de Salvador o seu histórico semblante jesuítico.
As linhas arquitetônicas de algumas igrejas de Salvador trazem o inconfundível sinete dos seguidores de Inácio de Loyola, por aqui, desde quando esta cidade dava seus primeiros passos. Como marcante foi a presença do pessoal da Companhia de Jesus, na alfabetização dos primeiros baianos.
Mas, não há como esconder, que acontecimentos igualmente históricos, ligam Salvador aos franciscanos e os franciscanos a Salvador.
Na capital baiana, os frades menores, ao longo dos séculos, construíram, no Terreiro de Jesus, a igreja de São Francsico, o mais belo templo franciscano das Américas, e, no dizer de Manuel Bandeira, "a mais rica maravilha de todo o Brasil". E, logo ao lado, o Convento, com seus claustros guardando lindíssimos azulejos portugueses.
As irmãs clarissas, filhas de Clara de Assis e de Francsico, vieram para o Brasil em 1677. E em Salvador, fundaram o primeiro convento brasileiro só para mulheres, o Mosteiro de Nossa Senhora do Desterro, de pé ainda hoje.
Não fora o desinteresse das autoridades eclesiásticas, e do Mosteiro do Desterro teria saído a primeira santa brasileira. Refiro-me à clarissa madre Vitória da Encarnação, morta em 19 de julho de 1715. A freirinha mereceu do escritor baiano Afrânio Peixoto, in Breviário da Bahia, uma página de saudade.
Na capital da Bahia nasceu e morreu Frei Vicente do Salvador. A ele deve-se "a primeira História do Brasil escrita por um brasileiro".
Relata frei Odulfo Van der Vat, historiador de renome, que na igrejinha da Graça, com a assistência dos franciscanos, foram celebrados os casamentos das filhas do casal Caramuru e Catarina Paraguaçu. Os dois estão enterrados no chão daquele centenário templo.
Portanto, de tudo isso eu poderia ter me socorrido, para reforçar minha indômita vontade de dar a Salvador uma cara franciscana.
Mas não foi bem por aí que ousei imaginá-la uma cidade seráfica. O fiz, acompanhando Gilberto Freyre.
O mestre de Casa Grande e Senzala, em artigo que publicou na revista O Cruzeiro, edição de dezembro de 1961, chama Salvador de "Cidade franciscana".
E justifica, afirmando, com todas as tintas, que "na clara e até radiante Capital da Bahia, uma espécie de louvor constante ao Irmão Sol... brancos, pretos, pardos, amarelos, vermelhos, morenos, ricos, pobres, remediados, todos são irmãos em Cristo e em São Francisco."
Por conseguinte, Salvador, por causa do seu expressivo e manifesto espírito fraterno, espírito tipicamente seráfico - e não pelos contornos aquitetônicos que a emolduram -, é, também, queiram ou não, uma cidade franciscana.
Foi mais ou menos isso o que eu quis dizer na crônica que suscitou arrufos e chiliques!
Agora, aqui pra nós: para muita gente, Salvador não é de São Francisco de Assis e nem de Santo Inácio de Loyola. Essa gente jura que Salvador é mesmo é d´Oxum!
Nota - Foto do Terreiro de Jesus e do Convento de São Francisco - Centro histórico - Salvador
Em uma crônica andeja, que rabisquei, faz algum tempo, declarei que Salvador tem uma cara franciscana.
Minha declaração provocou controvérsias mis!
O que, a rigor, não me surpreendeu; e muito menos me perturbou. Afinal, ninguém é obrigado a ter a mesma opinião sobre o perfil da primeira capital do Brasil.
De muitos internautas recebi extensos e malcriados e-mails, com a pergunta que eu esperava: "Uma cara franciscana? Por que não uma cara jesuítica?"
Quase todos, mostravam os argumentos que entendiam favoráveis à tese de que os seguidores de Inácio de Loyola e não filhos de Francisco de Assis tinham dado à capital baiana sua real e definitiva fisionomia.
Diante das observações, algumas contundentes, senti-me no direito de esclarecer - e o faço agora - por que, naquela crônica, dera a Salvador uma feição seráfica.
Começo, dizendo que não sou historiador.
Que não passo de um pífio cronista; nada mais do que um pífio cronista. Devo, pois, ser perdoado pelas asneiras que já disse - e as que ainda poderei dizer - ao tratar desse assunto que, sem dúvida, desperta ciúmes...
Muito bem. Lembro, que não é d´agora que sou tachado de parcial, quando chamo Salvador - paraíso que encontrei para morar, e lá se vai quase meio-século - de uma cidade franciscana.
A acusação parte, principalmente, de amigos sabedores da minha inarredável devoção pelo Poverello da Úmbria.
A acusação, porém, carece de fundamento. Sempre extravasei minha admiração por Francisco de Assis de maneira sensata, educada, racional, sem excessos. Nada de fanatismo.
Por isso, não cometeria a estultice de roubar de Salvador o seu histórico semblante jesuítico.
As linhas arquitetônicas de algumas igrejas de Salvador trazem o inconfundível sinete dos seguidores de Inácio de Loyola, por aqui, desde quando esta cidade dava seus primeiros passos. Como marcante foi a presença do pessoal da Companhia de Jesus, na alfabetização dos primeiros baianos.
Mas, não há como esconder, que acontecimentos igualmente históricos, ligam Salvador aos franciscanos e os franciscanos a Salvador.
Na capital baiana, os frades menores, ao longo dos séculos, construíram, no Terreiro de Jesus, a igreja de São Francsico, o mais belo templo franciscano das Américas, e, no dizer de Manuel Bandeira, "a mais rica maravilha de todo o Brasil". E, logo ao lado, o Convento, com seus claustros guardando lindíssimos azulejos portugueses.
As irmãs clarissas, filhas de Clara de Assis e de Francsico, vieram para o Brasil em 1677. E em Salvador, fundaram o primeiro convento brasileiro só para mulheres, o Mosteiro de Nossa Senhora do Desterro, de pé ainda hoje.
Não fora o desinteresse das autoridades eclesiásticas, e do Mosteiro do Desterro teria saído a primeira santa brasileira. Refiro-me à clarissa madre Vitória da Encarnação, morta em 19 de julho de 1715. A freirinha mereceu do escritor baiano Afrânio Peixoto, in Breviário da Bahia, uma página de saudade.
Na capital da Bahia nasceu e morreu Frei Vicente do Salvador. A ele deve-se "a primeira História do Brasil escrita por um brasileiro".
Relata frei Odulfo Van der Vat, historiador de renome, que na igrejinha da Graça, com a assistência dos franciscanos, foram celebrados os casamentos das filhas do casal Caramuru e Catarina Paraguaçu. Os dois estão enterrados no chão daquele centenário templo.
Portanto, de tudo isso eu poderia ter me socorrido, para reforçar minha indômita vontade de dar a Salvador uma cara franciscana.
Mas não foi bem por aí que ousei imaginá-la uma cidade seráfica. O fiz, acompanhando Gilberto Freyre.
O mestre de Casa Grande e Senzala, em artigo que publicou na revista O Cruzeiro, edição de dezembro de 1961, chama Salvador de "Cidade franciscana".
E justifica, afirmando, com todas as tintas, que "na clara e até radiante Capital da Bahia, uma espécie de louvor constante ao Irmão Sol... brancos, pretos, pardos, amarelos, vermelhos, morenos, ricos, pobres, remediados, todos são irmãos em Cristo e em São Francisco."
Por conseguinte, Salvador, por causa do seu expressivo e manifesto espírito fraterno, espírito tipicamente seráfico - e não pelos contornos aquitetônicos que a emolduram -, é, também, queiram ou não, uma cidade franciscana.
Foi mais ou menos isso o que eu quis dizer na crônica que suscitou arrufos e chiliques!
Agora, aqui pra nós: para muita gente, Salvador não é de São Francisco de Assis e nem de Santo Inácio de Loyola. Essa gente jura que Salvador é mesmo é d´Oxum!
Nota - Foto do Terreiro de Jesus e do Convento de São Francisco - Centro histórico - Salvador