OLHAR MADURO

- Bom dia senhora.

- Bom dia.

- Podemos conversar um pouco?

- Sim claro, sente-se aqui.

- Não costumo me intrometer na vida alheia, mas tenho percebido que a senhora todo dia vem a esta estação fica sentada neste banco, ora lendo livro, ora fazendo palavras cruzadas. Vez ou outra a senhora vai aos setores de embarque e desembarque, lá permanece por alguns instantes depois retorna a este banco. Por acaso a senhora está à procura de alguém? Desculpe-me não me apresentei. Meu nome é Dias, trabalho nesta estação há muito tempo. Minha função é orientar as pessoas que por aqui passam, afinal chegam a este local pessoas de vários lugares. Algumas têm dificuldades de se relacionarem, pois não falam a mesma língua, têm dias que isto aqui é uma verdadeira Torre de Babel, ninguém se entende. E esta é a minha função, orientá-los qual porta tomar e seguirem seu caminho sem perderem seu itinerário.

- Então o senhor é poliglota? Para atender todo mundo é necessário falar mais do que seu próprio idioma. Ah! Antes que eu me esqueça, devo me apresentar. Meu nome é Vida.

- Vida? Interessante este nome. Existem mais pessoas com este nome?

- Sim claro muito mais do que o senhor imagina. Voltando a sua pergunta inicial, porque eu estar neste lugar. Vou contar um pouco de mim, mas veja, vamos guardar segredo, afinal não costumo falar muito de mim sou um tanto reservada. Venho de um lugar distante, cresci num lar sadio. Meus pais nos deram carinho, amor, educação, orientação espiritual e todas as benesses materiais que estavam ao seu alcance. Estudei música, balé, interpretação, me fiz doutora. Conheci um belo rapaz, atraente, não tinha muitas posses, no entanto me encantei com o jovem, pois o mesmo me fascinava de uma forma excepcional. A princípio meus pais foram contra o nosso relacionamento, pois entendiam que o mesmo não estava preparado para tal compromisso. Porém sempre determinada que eu fora, enfrentei as adversidades seguindo com meus propósitos. Meus pais entenderam e abençoaram nosso enlace.

- Sim, e o que faz a senhora estar sempre aqui. Perdeu-se da família?

- Que nada. O tempo passa, não é mesmo? O jovem de outrora fez sua última viagem permitindo-me que eu ficasse mais um pouco a visitar esta estação. Deste banco vejo pessoas que chegam e que partem o tempo todo e com isto vou burilando esta pedra bruta. Tá vendo aquele menino lá no canto? Pois é, ontem conversando com ele descobri que o mesmo vive só e esta estação é o lugar onde encontrou refúgio. Ele adorou conversar comigo e nos fizemos amigos selando um pacto: toda vez que ele sentir-se só, necessitar de conversar vai me procurar. Não é fantástico? Agora me veio uma ideia: que tal o senhor participar deste nosso pacto?

- Penso ser uma boa ideia, participo sim. Olhando bem para aquele menino, me parece ser uma boa pessoa, porém necessita ser lapidado. Está vendo aquele cachorrinho lindinho no portão 3 de embarque?

- Sim, claro vez ou outra brinco com ele. Acaricio seu pelo ele fica todo faceiro, porem sempre volta ao mesmo lugar. Parece estar esperando alguém.

- Sua dona fez seu último embarque e desde aquele dia o coitadinho fica plantado ali como a esperar a volta de sua dona. Ah! Se ele soubesse que esta volta não vai acontecer tão cedo... Me apeguei tanto a ele, que sempre trago ração para saciar sua fome. Aquele comedouro foi minha colega Horas quem presenteou e o bebedouro foi meu amigo Tempo quem ofertou para que o mesmo não se furtar-se de beber, afinal cada qual no seu tempo, não é mesmo dona Vida?

- Sim por isso fiz deste lugar minha nova morada. Aqui converso com as pessoas, sorrio choro, dou abraços, recebo enormes abraços. É verdade que vez ou outra recebo um não, sou xingada às vezes até confundida com mulher de rua, veja só. Há pessoas que veem sua vida um turbilhão de problemas, eu não, vivo ela em sua plenitude. Procuro me aproximar das pessoas com o melhor das minhas intenções, porém algumas insistem em negar-me esta oportunidade. Mas sabes de uma coisa? Não ligo. Cada um faz o seu caminho conforme seu entendimento. Mas quando vejo lá estou de novo semeando amor, carinho, tolerância. É tudo mentira esse negócio de não ligar para as atitudes das pessoas, pois no fundo o que desejo mesmo é que todos vivam uma vida plena tal qual eu vivo nesta estação de embarques e desembarques.

- Pois é eu também procuro viver meus dias com intensidade, aprendendo e ensinando sem contar os dias que faltam para acessar o portão 3. Cada um de nós tem o nosso momento, nossa hora, nosso dia e nosso tempo a serem experenciados. O resto, bem o resto cada um escreve a sua história....

Valmir Vilmar de Sousa (Veve) 26/10/18

valmir de sousa
Enviado por valmir de sousa em 29/10/2018
Código do texto: T6489025
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