Bacalhau no Ottos

Não foi a primeira vez que devorava bolinho de bacalhau no Ottos. Comia antes de deixar o hotel. Saboreava bolinhos de bacalhau e apreciava a disputa pelo prêmio “bacalhau de honra”. Lisa ia sempre lá. O dia acabaria com um jantar oferecido. O German cansado de workshops e em busca de algo com chopes, levava um cartão dizendo: quero “gimTônica - Predoem a gsrmática”. O garçom apanhava o cartão e com status de mordomo derramava tônica no gim, impávido e infalível. Era a felicidade. O principal traço da personalidade do German essa a capacidade para filtrar o resultado da falência de Cuba Chic, abertamente, com o tom acre de Voltaire apimentado. Lembro tão bem da farra da estréia com bolinho de bacalhau! Filial do bom gosto. Ali houve um tempo em que o outro era o principal divertimento. Frase de banheiro do Ottos, sua excelência. O lugar era um tipo de sertão para Lisa procurando feijoada durante a madrugada. Bebia cerveja preta na gravidez de nove meses com German interessado em bacalhau, Olsen sob efeito do Concerto Villa-Lobos, Honorato nos temas da agricultura. Um deles protestou dizendo:

- O passado pode ser um totem!

(Falava por enigmas! Enigmas que nasciam daquela parte da sílaba em que o álcool afogava leituras agnósticas que fazia). Recordo-me como se fosse ontem o dia da chegada na zona de luz violeta. Casa e teatro de múltiplas gamas.

- Caipirinha? Lisa respondeu por ele: preferimos bolinho de bacalhau. Respondia sem enigma, sendo a primeira impressão, não era de bom tom. Brotava claramente aquele silêncio simplório no espaço entre o garçom e os pedidos.

- Silêncio é o tempo que conta para a cura!

Nos espaços em branco ela ressurgia com seu brocardo registrado e infalível. Lisa grávida tinha direito de gostar menos de enigmas do que aqueles pertencentes ao marido. Tipo cara de concha de prestígio porque nunca gostava do passado e pronto, prenhe, com aquele barrigão, era raro passar despercebida por mais discreta que fosse. Tradição? Filho é para nascer diferente. German bebericando o gim, disse: Você me faz sentir como o Almirante Benbow no rústico albergue. Recordo-me como se fosse ontem o dia da sua chegada. Dele o respeito pela capacidade de manter mais tempo o melhor dos mundos era melhor que o ouro. Numa das faces via-se a grande cicatriz que as palavras encobriam. Queria saber se aquelas atrizes com espinhas ganhavam menos do que aquelas com pele de veludo. Atanásio respondia: Ora, uma atriz com acne sofre o seu problema de pele, portanto precisa de orçamento gordo. De tal forma as mais valorizadas são aquelas que lavam o rosto toda vez que as próprias mãos tocam a fineza. Pois deve se lavar as mãos antes de tocar a pele! Por Cristo! Deduziu que a atriz em questão não poderia passear pela Farrapos ou a Marginal Tietê às dezoito horas, (horário de pique brutal), mas que talvez fizesse isso em busca de votos. (A arte social leva o cantor a ministro, o locutor a senador e o orador a humildade). Coitada! Decerto colocar as mãos no rosto para lamentar levaria a moça muitas vezes ao banheiro. Tudo pela beleza ideal. Próximos da festa esperada, (como não procurar a beleza?) era preciso mudar o curso do assunto antes que atracasse no cais do desalento, despencasse para a gota negra do desencanto. Tudo misturado com a leveza do lêvedo e a esperteza do malte. Misto de sutileza verbal e uísque. Não era hora para abertura das discussões sobre glândulas sebáceas das atrizes do canal aberto. Principalmente quando a fórmula da beleza é o espírito leve. Afinal, o que há de errado com as utopias? Certo: a sedução fácil leva a histeria. Quando a escola é um caminho perdido o que há de belo na utopia? Uma sociedade sem ansiedade indica o grau da acne, protestou German. Olsen começou a rir um riso de sarcasta. Disse que o doutor bactéria devia julgar pela aparência. Lisa olhe para o German. Todos olharam e riram. Desta vez o bacalhau levou mais tempo do que o desejado. Fomos atendidos por uma moça com o rosto de maçã. Após o Ottos depois da zero hora todo mundo é um prodígio, dizia Lisa.