Quando aprendi a escutar
Saber escutar é avis rara nesses nossos tempos.
Estamos de tal forma desesperados por ganhar o pão
e não deixar o caldo entornar, que teimamos em só falar e mais falar. Cada vez mais.
Assim podemos vender nosso peixe, exercer o poder
de sedução até o outro nos enxergar como a oitava maravilha do universo.
Atitude assim é alternativa de sobrevivência numa
selva insana, cruel
e com coração de pedra.
Uma selva com regras frias e mesquinhas.
Poucos de dignam a ir além disso,
ficando estancados no marasmo que só ver o próprio umbigo acarreta.
No lugar de só ficar ouvindo e esperando a deixa
pra desandar a falar como matraca,
escutam.
Dão atenção ao outro, abrem suas porteiras do entendimento
pra traduzir cada letra que compõe as palavras ditas.
Prestam uma atenção danada às virgulas, pontos, interrogações,
reticências etc. que fazem parte do discurso do outro.
Observam com atenção de monge tibetano seus sinais corporais,
o brilho dos olhos, o gesticular dos seus ossos,
o bailado dos braços e mãos, as entrelinhas submersas
no ar que exala.
Esquecem os burburinhos do mundo e focam a câmera só
no show do outro, com todos seus erros de gravação,
com todas suas limitações, com todas suas rebarbas.
Assim o outro se percebe respeitado, acarinhado, valorizado.
Isso lhe renova as forças pra botar pra fora o que sente
com melhor ressonância, com mais certeza de que vale a pena
fazer isso naquela hora
e daquela forma.
O outro se sente escutado.
E não com estátua à sua frente fingindo que está lhe dando alguma bola, como é normalmente o papel que representamos nos vários chãos em que pisamos: família, trabalho, lazer, todo lugar.
Escutar o outro ainda não está no nosso DNA,
falta muito pra cair essa ficha
pra valer.
Estamos há anos-luz de distância do tempo em que escutar será tão vital quanto respirar.
Enquanto isso, continuamos fingindo interesse, fazendo o outro acreditar que sua história nos interessa, iludindo magistralmente
com o nosso papel
de escutador de araque.
Exatamente como eu era até pouquíssimo tempo atrás.
Quando corrigi meu procedimento,
fazendo todo esforço que posso pra escutar, coisa que dá trabalho e muitas vezes cansa e até
incomoda demais, as coisas ficaram bem diferentes pra mim.
Comecei experimentando esse procedimento no meu entorno próximo e a resposta
animou a prosseguir.
Então passei a abordar pessoas na rua, durante minhas longas caminhadas diárias,
com os ouvidos escancarados e toda atenção da alma voltada para o que sai de sua boca.
E nada mais. Palavra de honra.
Pessoas comuns, gente como eu e você, sem nenhum interesse velado ou segunda intenção disfarçada.
Queria apenas lhes escutar.
Nada mais que isso.
As pessoas sentiram que eu estava sendo honesto, que não tinha pegadinha no ar,
e começaram a destravar
o seu coração.
Passaram a trazer à tona verdades profundas que, a rigor,
nunca compartilhariam com estranhos.
Foram catar no fundo do seu poço algumas coisas que adorariam dividir com alguém.
Algo lhes dizia que podiam confiar em mim, que estava realmente disposto a escutá-las, que os minutos da nossa conversa poderiam ajudar
muito a gente.
Ajudar a se entender e traduzir o que esse mundo esforça tanto em nos mostrar e que teimamos
em ignorar a toda hora.
Experiência tão bárbara, gratificante e gostosa que estou dedicando a média de 2 horas de cada dia para vivenciar esses encontros maravilhosos.
Me dar ao trabalho de escutar está mudando a minha vida.
E, com certeza, mudando a vida de quem tem o privilégio
de cruzar os meus caminhos nessas andanças desarmadas e deliciosas
pelas ruas, vielas e atalhos de Campinas.