micro-crônica - O PROTETOR
Dirigia com meu carro. Trânsito lentíssimo, como de costume. Minha cidade anda cheia de carro, mas nunca vi tanta moto, meu Deus do céu!
Mas hoje, fiz uma resolução: ficaria mais tranquilo. Percebi que meu nervosismo durante o dia tinha sua origem (base) no trânsito da manhã; no meu comportamento no trânsito da manhã! Afinal: “Não é como as coisas são, mas como você se reage em relação às coisas”. Ou: “Eu sou eu em minha circunstância e se não a salvo não salvo a mim mesmo”. Era isso.
Então, liguei o ar-condicionado e fiquei tranquilo mesmo. Podia sentir o arzinho no rosto mais fresco do que nunca tinha sentido. Pensava até em uma pescaria antiga, com meu vô, em baixo de uma árvore, à beira do rio, quando à frente uma buzinada me fez voltar ao presente. Uma moça corpulenta pilotando uma moto ao virar numa rua à direita tinha parado porque um bêbado praticamente se jogou à frente dela.
O cara carregava um saco preto talvez cheio de latinhas. Era um mendigo! (E eu não tenho nada contra mendigo, ok?. Não, não. Ainda mais aquele trabalhador. Catador de latinhas, pô!)
Mas, então eu mudei de opinião rapidamente como sempre fiz quando as coisas mudavam pra mim. O cara era folgado, sim.
Ele partiu para cima da moça.
Eu prontamente desci do carro. Não deixaria barato.
-Sai fora, malandro! – gritei, empurrando-o e acenando para a moça sair dali.
Ela se foi, sem dizer uma palavra.
O mendigo saiu dali resmungando falando palavras enroladas.
As pessoas me olhavam embasbacadas, sem reação mesmo. E logo continuaram suas caminhadas pelo centro de São Vicente.
Eu voltei ao meu carro. O ar ligado, meu coração acelerado. (Calma, cara, tá tudo bem).
Logo senti-me em paz comigo mesmo. Eu era um protetor. Não digo que me senti como um super-herói, porém como uma pessoa que faz algo diferente a alguém, ainda que ninguém concorde. Ainda que todos sejam politicamente corretos.
Ah, essa nova democracia do politicamente correto, droga! (Calma, cara, fique calmo!)
Eu engatei a primeira marcha, aumentei o ar-condicionado. (Tinha que me acalmar - O que importava era minha atitude. É isso!)
Mas que democracia? A da maioria? A maioria nada fez pra moça. A moça sequer me agradeceu! Essa a democracia que temos?
Bem, parado no semáforo à frente, sorri e disse olhando no espelho retrovisor:
-Tu é um protetor!