Quando virei anjo
É praxe nas regras sociais esperar sempre retorno das atitudes.
Ajudar alguém pra ser ajudado em seguida é o que se faz normalmente.
Essa é a lei da troca que vigora nos mais diversos cenários: em casa, no trabalho, no universo social, no lazer, no exercício formal da fé.
As pessoas, mesmo não de forma assumida ou explícita, criam expectativa ou necessidade do troco, da contrapartida em tudo que fazem.
E quando não ocorre, vem a frustração, aquela sensação de desapontamento que todos conhecemos muito bem.
Eu sempre fui assim.
Me aproximava das pessoas, inclusive desconhecidas, imbuído de uma segunda intenção no bolso do colete, uma carta na manga, com objetivo de tirar algum proveito da situação na primeira oportunidade, notadamente na área comercial.
Agi assim ao longo da vida, cumprindo um papel como os demais que também fazem uso desses estratagemas para atingir seus objetivos, sem nenhuma culpa ou constrangimento.
Estava sendo honesto comigo mesmo e plenamente fiel às minhas convicções, não havendo nenhum demérito nisso, já que era assim que a coisa funciona com todo mundo.
Sabe lá Deus porquê mudei de atitude.
Foi algo que aconteceu de forma espontânea, mansamente de início, e quando me dei conta havia me tornado anjo.
Pode esquecer aquela figura com auréola, asas e vestes brancas que ocupa nuvens nos céus.
Pode esquecer o sentido figurado ou metafórico, estou dizendo anjo de forma literal, com todas suas letras.
Digo anjo na concepção visceral da palavra, como alguém imerso plenamente no objetivo de ajudar, servir, compartilhar.
E, pasme, sem esperar absolutamente nada em troca. Nada mesmo!
Passei a agir assim com todos com quem tive contato nos últimos tempos.
Não sei explicar o motivo, mas por conta disso aumentou exponencialmente o meu número de contatos espontâneos.
Jovem, velha, velho, rico, rica, pobre, todo tipo de gente foi dando abertura para eu exercer minhas funções angelicais: orientando, sugerindo, indicando caminhos ou atalhos, escutando que me diziam sem aquela busca de brecha pra vender o meu peixe na hora certa.
Me tornei um anjo nas intenções e ações e, sobretudo, na forma como encaro meu semelhante - seja quem for.
Me tornei anjo de alma, sangue, de pele, de coração.
Me tornei anjo no olhar, no tatear.
Anjo por fora e por dentro.
Espero sinceramente que não passe de fogo de palha e eu volte a ser o cara interesseiro de sempre, que quer constantemente tirar uma lasquinha, um proveito de todos que puder.
Uma coisa já posso garantir: virar anjo deixa a alma leve, a mente tranquila, o coração em paz.
Uma sensação maravilhosa que nunca tinha chegado perto.
E da qual não quero me afastar nunca mais.
Palavra de anjo.