Um show do Caetano

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Foi numa tarde de sexta-feira, em pleno calçadão da avenida beira-mar, que um turista gaúcho, míope, durante o cooper – prática diária naquela cobiçada faixa de terra – foi flagrado por outro turista, este americano, observando demoradamente um ponto elevado na direção de um dos prédios da praia do Náutico, nas proximidades de um monumento conhecido categoricamente como “chifre do governador”.

O gringo, admirado com o ar sombrio do pobre gaúcho que, de quando em vez, colocava a mão direita horizontalmente acima dos olhos, franzindo a testa tal e qual os piratas e os mocinhos dos antigos filmes de pirataria perscrutando algum tesouro ou alguma nova descoberta marítima, parou por alguns instantes e, solidário ao farroupilha, dirigiu também o olhar para a mesma direção dos olhares do desconhecido amigo mesmo sem saber o porquê. E assim permaneceram por alguns instantes.

Uma mocinha cearense, moradora da orla que caminhava, acreditem, vestida com roupa de festa de debutante em pleno calçadão, às 17h30min, observou-os e, atraída por uma força mágica, juntou-se a ambos. O gaúcho, assustado com o ajunte de pessoas em sua volta – podiam ser ladrões sofisticados –, retirou-se continuando a caminhada.

A mocinha virou-se para o gringo e foi perguntando:

– O que é aquilo? – Já estaria vendo algo, imagino!

– ‘Eu não fala português.’ Acredito ter sido isso que o gringo respondeu. Bom, o que menos importava ali era o idioma. Afinal, estavam unidos por algo muito maior, mágico. Diria até oculto, inexistente.

Aos poucos, uma turba de populares foi se achegando: senhoras, idosos, crianças. Em bem pouco tempo, havia uma multidão concentrada em frente ao Ponta Mar Hotel. O gerente do hotel ligou para a Polícia comunicando que algo de muito estranho acontecia nos arredores do hotel. A Polícia, que disponibilizava grande parte do seu efetivo operacional para cobrir aquela área da cidade, em questão de segundos mobilizou uma viatura do Batalhão de Choque que imediatamente isolou o local, solicitando, em seguida e incontinenti, apoio do helicóptero Esquilo pra fazer uma cobertura aérea das imediações. Como a noite se aproximava numa velocidade constante e a visibilidade ficava, a cada minuto, mais prejudicada, um suporte aéreo ajudaria sobremaneira a execução e o êxito da operação.

Tão logo efetivado o isolamento da área, os curiosos, agora encurralados pelo poder público, ficaram a distância, especulando:

– O que está acontecendo? Pergunta um recém-aportado ao local.

– É um assalto. Tem um ladrão lá no décimo andar que mantém há mais de duas horas uma velhinha como refém. Ele já ameaçou diversas vezes dizendo que se a Polícia não evacuar o local ele vai jogar a pobre da velha lá de cima. Dizia um senhor careca, gordo e bigodudo, todo cheio.

– Não! Interveio outro homem. – São dois ladrões! Ouvi pelo rádio que estão torturando a velhinha faz tempo e exigem um resgate milionário.

– Que dois! Brada outro homem, nervoso. – É uma quadrilha inteirinha! Eles tentaram assaltar um banco, mas foram encurralados pela polícia! A pobre velha entrou na história por puro azar!

Nesse momento, duas velhinhas, solidárias, benzeram-se, fazendo o sinal da cruz.

Noutro ponto, alguém comentava:

– Eu ouvi um senhor dizendo que foi um velhinho que viu um OVNI pousando no heliponto daquele hotel ali. Falava apontando para uma edificação incapaz de suportar o pouso de um protótipo da referida aeronave.

– Olhem! – grita alguém, de repente. Ela vai se jogar!

Um silêncio momentâneo interrompe a celeuma anterior e tudo porque uma moradora do décimo pavimento resolveu abrir a janela para observar. Ela desconhecia os acontecimentos, pois apenas via as luzes embelezando mais ainda a paisagem da capital do sol.

Repórteres de várias emissoras já estavam no local. Todos queriam protagonizar aquilo que seria um furo de reportagem. Recrutam populares e as abordagens vão se processando em caráter de extraordinário: ‘Assaltante ameaça jogar velhinha do décimo oitavo andar de um prédio’ (a edificação possuía apenas quinze pavimentos) – dizia o repórter do canal 12; ‘OVNI é visto por turista carioca pousando no Praiano Hotel’ – comentava a enviada especial da Rede Bola Redonda; ‘Homem-aranha francês resolveu invadir a capital cearense’ – sentencia outra emissora.

A essa hora, o congestionamento se alastrava por toda a extensão da orla marítima da promissora capital da “virgem dos lábios de mel”. Populares mais exaltados solicitavam, aos berros e, gritando palavras de ordem, exigiam providências dos órgãos públicos: ‘Não aos OVNI’s!’; ‘Queremos caminhar’; ‘Congestionamento nunca mais’; ‘Não deixem o cooper morrer!’; ‘Caminhar é preciso!’...

Várias ambulâncias do Corpo de Bombeiros estavam a postos, aguardando a possível vítima.

O gaúcho, concluindo sua caminhada, retorna ao ponto onde o encontramos inicialmente. Pára. Observa apreensivo a multidão. O mesmo gringo o interpela novamente:

– Por que você não me falou antes que estava acontecendo um assalto? Você viu tudo e saiu sem dizer nada a ninguém!

– Eu!

– Sim! A pobre velhinha ainda está lá presa, desde o momento que você saiu.

– Eu apenas tentava ler a data do show do Caetano Veloso, meu amigo! Você consegue ler pra mim o dia e o horário do Show ali naquele cartaz?

– Foi ontem, às 21h30min!

– Que pena! Eu adoro o Caetano.

Fortaleza-CE, 1º de novembro de 1999, às 13h20min.

Do meu livro 'Crônicas e mais um conto'.