Desejo

Quando eu era criança, em cada um daqueles dias, eu desejava morrer. E, deitada na cama, pensava em todas as formas de me matar. Me cortando com uma faca, me afogando, me enforcando, me asfixiando, e até me queimando. Todos os dias eu chorava e pedia a Deus para que me levasse. E, sabendo da minha covardia, tentei estabelecer um limite de minha existência na terra: 23 anos. Porque 23 é meu número favorito. Mais do que o número 7. Porque 23 é o dia em que nasci. E só percebi agora, mas 7 também é o mês em que nasci. Acontece que, com o passar dos anos, acabei me esquecendo do tempo que estabeleci como limite. Mas meu inconsciente se lembrou, aliás, nunca esqueceu. E quase me fez cumprir o determinado antes do tempo. Tentei realizar meu desejo de menina aos 22 anos, mas não tinha tanta certeza do que estava fazendo. Já comecei errado, mastigando o primeiro comprimido, e acreditando que levaria a um efeito mais rápido. Mas isso só me fez ter ânsia de vômito a cada comprimido seguinte, de tão horrível que era o conteúdo. Ainda, achei que ingerir álcool contribuiria para o efeito que eu desejava, mas até hoje não sei se foi o melhor. E, com um medo absurdo de provocar sofrimento na minha família, mas com uma vontade imensa de enfim sentir paz, eu queria alcançar aquele limbo entre a vida e o que estava além, que, para mim, significava viver em um mundo de maior sofrimento, porque este é o destino dos suicidas. Mas escolhi isso porque não aguentava mais viver aqui e qualquer lugar seria melhor para mim (mesmo que fosse pior). Meu Deus, eu ainda estou aqui e sofro tanto porque não me adaptei a este lugar. Se nem a Terra e nem o paraíso são os lugares adequados para mim, eu apenas desejo não existir, porque tudo o que sinto é demais para este ser.