O HOMEM QUE NINGUÉM VÊ
Sete horas da manhã. Os carros passam aos montes expelindo fumaça e emitindo barulho que parece já não mais incomodar a multidão. Algumas árvores sombream o ambiente e a arquitetura ao redor é bela. Estudantes caminham apressados. O semáforo fecha. Pessoas passam. O semáforo abre. Passam os carros.
Os carros passam, os estudantes passam, os operários passam e passam os empresários. Ninguém repara! Ninguém repara que ali, junto a um poste, junto à câmera que vigia a população está um homem a vista de todos, mas que ninguém vê.
Trata-se de um trabalhador, embora pareça desempregado. Possivelmente tem família, mas pode ser que nada tenha, não sei.
O homem está com dois sacos de plástico cheios de bombons. Os sacos estão no chão e o homem está ajoelhado com a cabeça baixa e os olhos fechados. Ajoelhado, de cabeça baixa, olhos fechados e uma mão em cada saco de bombons, o homem reza. Pronuncia palavras que não escuto. Estou dentro de um carro e apuro meus ouvidos curiosos, mas não ouço nada além de múltiplos ruídos advindos do trânsito. Fico observando. O homem tem expressão de dor íntima e suplica algo a Deus; parece pedir que seus bombons sejam abençoados, que sejam todos vendidos, que se transformem em pão, arroz e feijão...
Não compro nada dele. Não sei se devo tirar o homem de seu momento com sua fé e esperança.
O semáforo se queda verde. Engato a primeira marcha e pressiono o pedal do acelerador. O carro se movimenta e passo a segunda marcha e vou me distanciando. Sigo meu rumo.
O homem estará ali de novo amanhã.