Gênese

O dia clareou. Para caso de parto ela usava um santo. Para aplacar o medo durante as dores. Por sorte clareava o dia. O fato de ganhar filho durante a aurora, disse a parteira, representava um primeiro auxílio.

Sentiu as dores. Teve medo. Tinha acesa a vela. A parteira Florência morava na vila. Chegava sem aviso porta adentro como aparição desejada. Ela acordou o Mangabeira ressonando gordalhudo numa espécie de segunda inocência. Tossiu alto e ele acordou assustado. O que era de se esperar de funcionário público diante da mulher concebendo.

- Chegou à hora!

Florência cumpria seu ofício de parteira natural da região. Quando nascia direitinho ela ainda cismava. Havia duas esperas. Do filho e da frase de Florência. Se nascesse mal ela dizia: vai cedo embora. Cruel. Muitas vezes ia o pequeno ataúde pela rua em lamento de alma preconcebida. Ficava feliz quando o pai da criança andava por perto e assistisse o filho nascendo. Muito agrupamento, dizia, fazia mal.

- E se o filho nascesse ajoelhado?

Era em seus olhos o consolo.

- Esse vai nascer e crescer bezerrão...

Enquanto vinha ao mundo passou pela cabeça de Maria Alice uma porção de situações esquisitas. Triste é parto sozinho, resmungou Florência, deitando a criança no colo dela. No momento em que se derretia de faceirice maternal.

Vinte anos se passaram do nascimento de Manuel Olenhos, legítimo filho de Mangabeira com Maria Alice pelas mãos de Florência. No dia do seu vigésimo aniversário foram visitar a parteira Florência no Posto de Saúde do lugar. Há tantos hospitais pobres no país, na América e no mundo! Florência partejou todos. Partejou doutor e joão-ninguém. O prefeito nascera dos seus trabalhos. Nela era regime de igualdade.

Faleceu numa noite de lua mixuruca. Uma lua como ela, que não cobrava nada.