GAÚCHOS E SUAS MEMÓRIAS

Estou em visita ao Forte de São Marcelo, em Salvador da Bahia, onde o general farroupilha Bento Gonçalves esteve preso durante a Grande Revolução. Durante dez longos anos aquelas escaramuças ensanguentaram a Província do Rio Grande lutando contra o Império do Brasil, em meados do século XIX. Rememoramos o Padre Caldas e a intimorata maçonaria dos que sempre sonharam república e liberdade em tempos imperiais.

Retorno ao Pago Grande do Sul e logo vou remexer os guardados, buscando as pilchas criollas e os trastes campeiros para ir louvar a memória dos guerrilheiros. Tudo na simbologia do Acampamento Farroupilha, no Parque da Harmonia, em setembro, no velho Porto dos Casais, a capital que jamais foi revolucionária – porque reduto dos comerciantes portugueses e pelos naturais interesses em jogo – que sempre esteve fiel às cortes imperiais.

Vou sacolejar os quartos na bailanta do Dornelles, ouvir música, dizer poemas com gosto de terra, lambuzar os bigodes num bom churrasco no galpão da Brigada Militar e encher os olhos co'as relíquias do campo, que estão guardadas nas retinas de tantos anos e tropilhas.

No Rio Grande velho de Deus, o espírito indomável resmunga no relincho do potro xucro empinando ventos, e no sorver do mate da conciliação de pátria e de futuros.

Num recanto qualquer da mangueira improvisada ao lado dos edifícios, um piazito de cinco anos, pilchado, enlameia suas botas na bosta e na baba das reses mansas e tenta montar um matungo pelas mãos do pai. No alto, num estendido poncho de memórias, flameja altaneiro o imenso pavilhão tricolor.

Riscam o céu os dísticos de Liberdade, Igualdade, Humanidade. No chão, um cusco lambe as feridas nascidas na madrugada anterior em peleias pela comida. Num galpão de pau-a-pique os espíritos sonolentos cochicham a fome e as injustiças sociais. O Rio Grande está vivo.

MONCKS, Joaquim. A MAÇÃ NA CRUZ. Obra inédita, 2022.

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