Poesia em Tempos de Cólera
A poesia flui pelas mãos facilmente quando tudo está iluminado.
O peito explode em cores: verde, azul, dourado.
As pétalas das flores se abrem e exibem portais belos e primorosos.
Em cada pétala, um acorde da Sinfonia Divina que ecoa lá de dentro, de baixo e de cima, vindo do salão do Pai Adorado.
Em coro, agradecemos os pedidos realizados, as bênçãos, a mesa farta; o dinheiro no bolso, a boa saúde do corpo e os amados que sorriem ao nosso lado.
Em meio a tanta luz, o amor segue fácil e a vida é uma eterna alegria; a fé nos Reinos Alados é certeza e a presença de Deus é tão aparente, que a gente até se pergunta: como é que um dia fomos descrentes?
Daí, o dia é expulso pela noite. E no eterno equilíbrio do mundo, os opostos dançam, Shiva transforma, Atôto sacode as suas palhas e anuncia: é tempo de Kali!
Diante do abismo, o medo toma conta, a descrença avança e nos perguntamos: " Senhor, por que me abandonastes?"
A inspiração seca, o peito se fecha, as flores murcham.
A canção fica muda e o Deus do Amor se transforma no Demônio manipulador que não mais escuta as nossas preces.
Não conseguimos mais olhar para o céu e ver os seres celestes; apenas mantemos as nossas cabeças para baixo, em lamentação profunda do destino nefasto que nublou a nossa vida.
O vento que era morno e doce, agora bate frio e impiedoso no rosto, os lábios se racham, a boca tem sede; mas no coração do iniciado, se falta o leite, é preciso respirar fundo e pacientemente esperar esse tempo passar.
São nesses momentos em que nos tornamos Abraão, sentindo na carne, se conseguiremos permanecer sendo quem somos em todas as estações.
O segredo é lembrarmos que se até as fezes viram adubo; não há nada imperfeito nesse mundo e há uma importante lição escondida em nossos infortúnios.
Nessa instante de desespero, a ostra faz da sujeira uma peróla; o velho sábio faz da tristeza um blues.
É nessa hora que mostramos do que somos feitos, qual a moeda corrente do nosso coração.
Nesse momento, se conseguirmos controlar os nossos pensamentos daninhos que maldizem e culpam tudo e todos; compreenderemos que é na aparente ausência do amor, que devemos ainda mais abrir o nosso peito e mostrar a nossa luz.
A doença e a morte são apenas faces que se viram, nos encaram e partem; o amor e a luz nunca morrem!
Esse tempo de sombras faz parte das forças da natureza que atinge a todos, sem distinção, o assassino ou o curador, o velho ou o menino, o mau ou o bom.
Ninguém está livre de sentir na pele, o gosto da dor e da solidão; mas ficar firme e prestar atenção é um desafio que poucos conseguem suportar sem chorar ou sem reclamar.
Por isso, peço ao Criador, que a minha poesia flua livremente, independentemente do balanço do mar.
Sendo mais um marinheiro da vida, sei que nem sempre, o mar estará calmo e macio; por isso, canto a vocês, meus amigos, mais uma canção de despertar.