Como passei a ter fé
Aprendi a ter fé pisando torto, errando caminho, me encurralando em medos e dúvidas que não sossegavam. Senti o cheiro, o gosto, a cor e a textura de Deus quando Deus foi a última coisa que pensei em recorrer. Isso aconteceu comigo muitas vezes. Tive formação judaica com suas raízes milenares e cumpria os rituais seguindo o roteiro recebido. Mas a vida foi mostrando que repetir ladainhas não bastava. A vida foi fazendo incisões na minha alma com seu preciso bisturi pra me fazer ver o que meus olhos míopes ignoravam. Esse aprendizado doeu algumas vezes e suas cicatrizes estão aí pra não me fazer esquecer. Hoje tenho claro que o sentido divino está dentro da gente. É algo que nasce de forma espontânea e se instala na varanda do nosso entendimento como uma soberba idosa curtindo sua cadeira de balanço. Por mais que tentem incutir nas pessoas leis, regras e procedimentos para professarem sua fé, ela só vai existir de fato quando o coração disser sim. Hoje percebo os movimentos de Deus em pequenas coisas - que até então passavam batido no conjunto das minhas percepções. Um gole de água, sonhar ao dormir, a determinação de um formiga em levar uma folha maior que ela ao formigueiro, o gosto de uma fruta, minha pele cicatrizando depois de ferida, o dia amanhecendo, a saudade, os grãos de areia, o fogo, minha cachorrinha abanando o rabo ao meu ver, enfim, acredito que tudo isso não é obra do acaso. Pode até ser, mas prefiro acreditar que há um maestro regendo tudo. Isso me torna menos áspero, menos seco, menos frio. Isso me deixa menos revoltado para entender as situações adversas que, vira e mexe, acontecem comigo. Assim consigo tocar a vida mais feliz, tranquilo, em paz. Tem coisa melhor que isso?