NOMEADO OU EXILADO?
Essa pergunta até hoje eu faço pra mim mesmo.
Foi lá por 1971 quando eu fui nomeado pra exercer a função de Inspetor de Polícia em um município que fica localizado há mais de 500 km de Porto Alegre.
Quando desembarquei do ônibus me deu vontade de voltar pra Porto Alegre. A cidade era formada por uma avenida e duas ruas transversais.
O colega que me antecedeu quando lá chegou me relatou que não existia Delegacia. Ele teve que tomar a iniciativa de promover bailes pra arrecadar dinheiro para comprar móveis, máquinas de escrever e etc. pra que ele pudesse trabalhar.
A viatura era um jeep velho que só pegava fazendo ligação direta.
Desembarquei naquele lugar sem dinheiro, sem ajuda de custo, sem ter onde morar, sem carteira e sem arma.
O colega conseguiu que eu me hospedasse no único hotel da cidade com a condição de pagar as adiárias quando recebesse o primeiro pagamento feito pelo Estado.
Naquele lugar não eram nomeados Delegados, razão pela qual eu respondia por essa função sem qualquer adicional remunerado.
Os divertimentos naquele município eram as corridas de cancha reta, bocha e futebol de várzea.
Fomos certa vez eu e o Cabo Remião Soares convocados pra fazer policiamento ostensivo em um desses jogos de futebol.
Necessário dizer que estávamos sempre sem dinheiro.
Nessa ocasião um dos componentes do clube veio nos perguntar se aceitaríamos um churrasco. Julgando que se tratasse de uma cortesia, aceitamos de bom grado ainda mais considerando que estávamos com fome e sem dinheiro.
Quando o rapaz trouxe o churrasco disse:
“- São cinco pilas!”
Nesse momento o Cabo, indignado falou:
“Que cinco pilas rapaz? Onde é que se viu querer cobrar do Comandante do Destacamento e do Delegado de Polícia? Não vez que quem está bem com a polícia está bem com Deus?”
O rapaz visivelmente intimidado respondeu:
“-Sim Senhor!”
Em outra ocasião, também num churrasco promovido pela prefeitura, para a inauguração da instalação da energia elétrica na cidade, o Cabo Remião, dirigindo-se ao Pároco local falou:
“-Comi que nem um padre!”
O padre que era muito esperto retrucou:
“- Comi que nem um sem vergonha!”
Numa cidade cujo o assunto predominante é porco, milho e feijão pra quem nasceu e viveu toda vida numa capital, o diálogo tornava-se quase impossível.
Lembro que quando apareceu naquela cidade o Dr. Daniel Schilling, médico que foi contratado pra trabalhar no hospital local, foi um alento porque finalmente eu tinha uma pessoa com quem eu pudesse conversar sobre cultura geral.
Esse cenário foi transformado porque logo estabelecemos uma relação de amizade.
Era um domingo chuvoso quando o meu amigo médico me convidou pra tomarmos uns uisques e depois almoçarmos.
Tivemos uma conversa muito agradável sobre diversos assuntos, considerando que ele era um homem muito culto.
Lá pelas tantas, assuntos esgotados, fomos para a porta de entrada do hospital e ficamos alí calados olhando a chuva quando o médico me disse:
“- Se eu acertar na loteria esportiva( referindo-se a cidade que ficava localizada em um vale) eu mando aterrar essa merda!”
Em seguida acrescentou:
“- Isso aqui é a latrina do inferno!”