LEMBRANÇAS DE UM CÃOZINHO

Quando eu tinha 9 anos vivi um dos melhores momentos de minha vida. Momentos únicos, inesquecíveis, onde senti verdadeiramente o que é um amor borbulhante e recíproco.

Todas as noites eu ficava esperando meu avô chegar do trabalho. Da janela do meu quarto dava para ver a rua. Então, como de costume, pegava o livro de contos que havia ganhado no último natal, armava a rede próximo a janela e ficava aguardando. Só que nesta noite ele demorou. Como estava chovendo bastante, achei que deveria ser por isso o motivo da sua demora.

Impacientei-me. Bocejei, peguei no sono. Passados algumas horas, acordei com barulhos vindos da sala. E saltei da rede. Resolvi ir olhar. Ainda no corredor percebi que era a voz do vô falando meio avexado e a vó reclamando com ele:

- Chico que invenção é essa, homem? Onde já de se viu uma coisa dessas. Você deveria tê-lo deixado lá e não trazido pra cá nesse estado. E agora? Não podemos ficar com ele.

A pergunta saiu imediatamente:

- Ele quem? – Os dois olharam espantados para mim. - e insisti na pergunta. – Quem vovô?

No exato momento em que iriam me responder, escutei um som vindo de uma caixa de papelão próximo ao sofá, parecia um latido. Olhei para o vô, e de repente, a caixa abriu-se e de dentro saiu a coisinha mais linda e fofinha do mundo. Fofinha no modo de dizer, pois não passava de um cãozinho vira-lata. Mas eu adorei.

- Um cachorro! Que joia, vô! - Exclamei muito feliz. - Vamos ficar com ele, né? Por favor, diz que sim! – Implorei já no desespero.

A vó não queria, mas quem dava sempre a última palavra era o vô Chico. Concordou em ficar, mas com uma condição: que eu iria ser totalmente responsável por ele. Topei na hora. Fui correndo procurar um lugar para legal para ele. E resolvi chama-lo de Galileu Galilei, em homenagem ao grande cientista. Foi amor à primeira vista. Coisa de filme mesmo. Em todos os lugares da casa, que eu ia, lá estava ele juntinho de mim.

Os meses foram passando e o Galileu crescendo e ficando rebelde. Se dependesse dele, comia todos os meus livros. Como a desobediência dele ia só aumentando, falei com o vô para colocarmos o Galileu em uma escola de adestramento para cães. E três vezes por semana íamos para o treinamento. E vejam só, não é que aprendeu rápido. Eu transbordava de felicidade, pois ele obedecia a todos os meus comandos. Com isso ganhou uma casinha no quintal com direito a uma cama bem fofinha.

Quando o galileu completou cinco anos que estava com a gente, fiz uma festinha. Meu avô não gostou muito da ideia, mas permitiu. Minhas amigas trouxeram seus cachorros e eles se divertiram bastante. Corriam pelo jardim e quintal felizes como nunca. Porém, o barulho dos latidos incomodou o vizinho da direita, seu Hélio, um senhor de meia idade que tinha fama de mau. Começou a brechar pelo muro, resmungando. O vô tinha ido falar com ele, o que não resolveu muito não. E assim mesmo, continuamos com a festa.

No outro dia, como de costume, soltamos o Galileu pelo jardim e na parte da frente da casa para que fizesse suas necessidades. Já havia passado uma hora e nada do cãozinho. Resolvi ir atrás dele. Chegando no jardim vi o Galileu vomitando e tremendo o corpo, sem conseguir andar. Coloquei-o em meus braços e gritei pedindo ajuda. Corri para a cozinha e chamei a minha avó. Ficamos com ele no maior desespero. Estávamos apenas nós duas. O vô tinha saído com o carro. Então, ligamos para o veterinário e tentamos seguir suas instruções, pois, tudo indicava que o meu pobre galileu havia sido envenenado. Depois de alguns minutos, o veneno surtira efeito, tudo desmoronou havia perdido o meu Galileu. A dor era imensa, indescritível, inconsolável. Não conseguia soltá-lo e nem acreditar que ele realmente tinha partido.

Quem teria a maldade de fazer uma atrocidade dessas com o meu cãozinho? Imediatamente, corri para o jardim e vi pegadas vindas do portão lateral que dividia as duas casas, a minha e a do seu Hélio. O maldito havia assassinado o galileu. Na minha revolta, subi no muro e comecei a gritar, chamando-o de assassino, sanguinário, filho do capeta; e tudo que lembrei no momento. Meus avós ficaram assustados com meus gritos e começou a juntar pessoas. Infelizmente, não passou daí. Em 1988, não existiam leis que protegiam os animais contra esse tipo de gente. Quem tivesse seus animais, que guardasse.

Nunca esqueci aquele dia. Passei anos com a mágoa em meu coração e o trauma de não querer criar nenhum animal. O meu primeiro amor havia sido assassinado injustamente, sem chance para se defender. Coitadinho!

Galileu Galilei ficará guardado em minha memória para sempre como o orvalho na manhã de outono, úmida e refrescante.

DÉBORA ORIENTE

Debora Oriente
Enviado por Debora Oriente em 16/10/2018
Reeditado em 14/02/2024
Código do texto: T6477972
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