NA CURVA DO CAMINHO

Diário  de minhas  andanças
(17/06/2011)

Rebouças, era por ali o nosso caminho de quase todos os domingos.
Depois de alguns poucos quilômetros de uma rodovia, por opção, adentrávamos àquela cidadezinha onde servia-se sorvetes deliciosos.
No carro a maior algazarra.
Meu filho, ainda criança, e a sua “tchurma” sempre muito animada.
[ E bota animação nisso! ]
Tomávamos todos os sorvetes à que tínhamos direito ,dava-se uma bisbilhotada nas elegantes vitrines da "Boutique da Jaça e seguíamos rumo às cachoeiras, aos riachos, para nossas tardes de pescarias.
O programa era quase sempre o mesmo, mas a agitação dava o tom de algo inédito à cada fim de semana.
Quase na saída da pequena cidade, numa curva, uma oficina mecância chamava à atenção ostentando sobre um pequeno pedestal de madeira, um boneco de lata com um sorriso macabro segurando um facão em cada mão.
De acordo com a velocidade do vento o mesmo movia os braços como se estivesse desafiando alguém com aquelas armas brancas.
Os meninos adoravam ! E lugar comum era darmos uma paradinha para que a galera se divertisse.
Um pouco mais adiante, uma casa...


Uma casa de madeira, totalmente descorada pelo tempo e sempre fechada.
Encolhida por trás do arvoredo numa ruazinha transversal isolava-se na paisagem que lhe oferecia do outro lado nada além de uma cerca aramada e a vastidão dos campos com algumas araucárias, aqui e acolá.
[ Era  como que  a casa  sentisse  uma espécie  de vergonha]
Enquanto os meninos reverenciavam o seu boneco de latas em devaneios eu adivinhava histórias de vidas entre aquelas paredes rôtas.
Tôdas, sem excessão, repletas de mistérios, enigmas e solidão, é claro.
O tempo passou tão rápidamente e com êle conduziu as crianças de então, para o mundo da adolescência, da juventude, quando libertos dos ninhos buscaram para seus vôos os céus de suas preferências.
Tarde  de  um  domingo  qualquer.
Meu filho e eu, (êle agora com seus vinte anos ) retomamos , sem premeditar, o mesmo trajeto de antes.Coisa que há muitos anos não mais o fazíamos.
Veio -nos à lembrança , a “curva do boneco” como eles a denominavam. Surpresos , percebemos que este não mais existia. A ferrugem certamente o levara para as dimensões dos bonecos de lata. Restava ainda por ali um corroído carro vermelho, parcialmente encoberto com uma lona preta,que um de seus amigos de  infância insistia em afirmar tratar-se de uma “Ferrari”. Pode?
...E a casa enigmática, do mesmo jeitinho que a conhecemos outrora. Desci do carro e a fotografei enquanto ruminava algumas lembranças.
Senti saudade das minhas crianças, e até do boneco de latas.
Senti na boca o sabor dos sorvetes de outrora,e confesso :se naquela tarde não fizesse tanto frio,iria procurar pela antiga sorveteria e refastelar-me aos sabores de creme e chocolate.
Retornando ao carro, fui indagado por meu filho:
_E a foto desta casa “caídaça”,serve pra quê?
Hesitei um pouco e lhe respondi:
Sei lá !...Álbum de recordações,talvez.
E com meus botões fui confabulando:Vou registra-la antes que , à exemplo do boneco de latas, também ela vá para outras dimensões.
As dimensões das casas "caídaças"!

Texto  reeditado.Preservados  os comentários ao  texto  anterior:



104540-mini.jpg
27/10/2016 08:39 - Leda Mara
Como sempre,teus textos de uma beleza ímpar,caro conterrâneo! Amei sua crônica! Abraço!

33314-mini.jpg
23/02/2014 16:07 - Lisyt
Como sempre: um texto lindo! De uma sensibilidade emocionante! Ainda bem que você fotografou a casa, e quem sabe, assim, os fantasmas permaneçam na imaginação de quem contempla a foto da casa "caidaça".

8860-mini.jpg
14/07/2011 16:34 - Malgaxe
Vasculhando sua escrivaninha, as vezes eu acho alguma coisa parecida comigo e estas construções antigas tem muita coisa a contar e nos levam a viajar em sua historias imaginarias ou reais, casas são como fotos antigas de pessoas há muito coisa que podemos deduzir e se aguçar os ouvidos da alma, o silencio pode ate trazer vozes, e o filme dos dias, dos dias que deram as cores a tudo. Ao saudosista tudo fez parte de uma vida, uma pedra, uma paisagem, uma velha casa, tudo. Eis uma missão para o poeta, ouvir os flashs back perdidos no tempo, e trazer ao momento que passa, a ternura desperta vaga nas eras, esperando que alguém possa ser testemunha de sua existencia, nunca morre o que é poesia para a alma. Abraços

67890-mini.jpg
06/07/2011 11:17 - Gdantas
Foi um prazer conhecê-lo,Joel. Vim por aqui recomendado pelo meu amigo-irmão Roberto Rego. E gostei muito. Belíssima crônica, com uma pitada de nostalgia deliciosa. Meus aplausos! Voltarei com mais vagar. Meu forte abraço, Gilberto

60010-mini.jpg
22/06/2011 23:34 - Giustina
Oi, Joel, saudades! Adoro tuas crônicas, com sabor de nostalgia! E a foto deu o toque!

6493-mini.jpg
17/06/2011 22:53 - tania orsi vargas
Joel, é muito bom viajar contigo por tuas paisagens. Ainda bem que se conservam algumas casas, aqui na minha cidade temos vários prédios antigos que foram tombados e olha, é uma riqueza olhar pra eles e ver ali a história pelas janelas, telhados, marcas e portões. _______ Queria te dizer que estou um pouco em recesso, sem publicar, a Lilian também, então vou lendo por aí. Te desejo um ótimo final de semana. Abraços

60827-mini.jpg
17/06/2011 15:35 - RobertoRego
Joel, fenomenal seu texto, emoldurado pela belíssima foto da misteriosa casa de madeira, tipo de construção muito comum no extremo sul do país. Peguei carona junto a você e seu filho, nessa volta nostálgica ao recanto bucólico e me emocionei com suas tocantes recordações, poeta! Meu aplauso, meu amplexo, paz e alegria, dileto amigo.

61528-mini.jpg
17/06/2011 09:02 - geraldinho do engenho
Como teus cantos me encntam.As vezes tenho a impressão de ter vivido a mesma experiencia.Sua capacidade de escrever cria em nossa mente um cenário tão perfeitoe nos coloca frente a frente com os acontecimentos como se fossemos fugurantes e não expectadores de seu filmr...Parabéns meu caro amigo e obrigado pela agradável visita...Abraços!

89518-mini.jpg
17/06/2011 08:15 - YARA FRANÇA
amigo, como você, eu me encanto com paisagens, casas,e planta, muita planta. há aqui em são luis, umas casas que eu tenho saudades porque cairam e não foram registradas. iso me entristece. estou vendo o teu exemplo, clicando tudo. parabéns. tudo isso é parte d nossas historias.