OLHOS DE MENINO

Era o tempo do serviço militar. Se bem me lembro, outubro de 1973. Voltávamos de Pelotas (aonde fôramos em apoio de comunicações em combate a uma manobra de campo da 8ª Brigada de Infantaria Motorizada) para São Gabriel, sede da minha unidade militar, a 13ª Companhia de Comunicações. Acantonamos, para descanso e jantar, na confluência das rodovias BR 316 com 290, nas proximidades de Porto Alegre.

De onde estávamos, viam-se as luzes da capital. Um brilho extraordinário aos olhos de um quase-menino do interior, de apenas dezenove anos, que nunca estivera na grande cidade! Acabamos o jantar e eu fiquei a admirar aquele espetáculo de luzes e a jurar para mim mesmo, em silêncio, que no ano seguinte, terminado o serviço militar obrigatório, viveria na minha capital. Uma auto-profecia que se cumpriu.

Novembro de 1993. Eu morava em São Paulo e viajava em férias pelo Amazonas. Voltávamos de barco de Parintins, onde visitara minha sogra, para Manaus. No começo da noite, passamos por Itacoatiara, último porto de parada antes do destino. Despertou-me a atenção um senhor, cuja idade poderia ser qualquer uma entre os cinquenta e cinco e os setenta anos. Ele parecia ansioso, e movimentava-se o tempo inteiro pelo convés, indo com bastante frequência à proa, onde se demorava mais a cada vez.

Numa dessas vezes, segui-o até a proa, apresentei-me e iniciei um diálogo com ele. Ele conversava comigo, mas sua atenção estava focada à frente, onde tudo que se via era a superfície das águas do Amazonas batida pelo luar. Dos dois lados, a escuridão pesada da floresta. Na nossa conversa entrecortada, fiquei sabendo que sua idade era de oitenta anos. Desde a adolescência, dedicava-se ao transporte de pessoas e mercadorias, numa pequena embarcação, entre cidades do Baixo Amazonas, como Parintins, Nhamundá, Barreirinha e Boa Vista do Ramos. Jamais estivera em Manaus. Vinha a convite de um filho, engenheiro, que trabalhava na Petrobras.

Fui até o bar e voltei com uma cerveja e dois copos. Ele aceitou. Continuamos a conversa e, a cada quinze minutos, ele me perguntava se ainda demoraria para avistarmos as luzes de Manaus. Quando, finalmente, essas luzes apareceram, o homem se transformou. Pulava como criança e repetia: Que coisa linda! Que coisa linda! Aquilo me fez recordar a distante noite de 1973, em que eu também avistei pela primeira vez as luzes da cidade grande. E de como somos capazes, em certas ocasiões, de voltar a ver as coisas com alma e olhos de menino!

José Luiz Barbosa de Oliveira
Enviado por José Luiz Barbosa de Oliveira em 14/10/2018
Reeditado em 21/10/2018
Código do texto: T6476180
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