Professora Dona Lucília Castro Nery ( para o dia dos professores)

Ela tinha uma estatura mediana, cabelos meio acastanhados, olhar de revés, fala um tanto quanto serena, andar meio apressado. O meu primeiro contato, com ela, foi na igreja Presbiteriana da cidade, com sede ainda no auditório Henrique M’Call onde era a musicista única da congregação que tocava teclados no órgão manual com ou sem partituras.

Dona Lucília, além de ser uma excelente professora de escola primária, ali, na escola Popular Oliveira Magalhães, a sua fama se estendia pelo além Corrente: Era considerada a mais severa, a mais austera, a que mais fazia uso da régua nas costas, cabeças e pernas de aluno.

Por mais conhecedores do temperamento da professora dona Lucília que infundia temor em cada aluno, sempre aparecia um que encarnava o capeta e ou se achava o próprio para desafiar a megera pedagógica e o pau cantava em ritmo de dobrado. Digo o pau em formato de régua.

Costumeiramente era ela quem ministrava aulas para os segundo e quinto ano da escola, mas quem sempre pagava o paturi, eram sempre os alunos do segundo ano por serem mais crianças e inocentes, já que os alunos do quinto ano, mais taludos começavam a enfrenta-la, como por exemplo: o filho de dona Zazinha a mulher do cartório, o Elias de Zefina, e outros mais.

Dona Lucília sempre revezava o segundo e o terceiro ano respectivamente para manter a sequência pedagógica e exatamente em 1967, para o azar da nossa turma caímos no segundo ano com dona Lucília, o terror da maioria dos alunos, mesmo sem ter estudado com ela, a sua fama já deixava medo em todos na iminência de um possível encontro. Ela às vezes deixava a gente intrigada por causa da sua doçura dentro e fora da sala de aula, e a fúria plácida com que se utilizava da régua em algum de nós.

Era uma daquelas manhãs de outono! Na aula corria tudo tranquilamente! Cada aluno era chamado para o quadro negro para fazer alguma tarefa proposta pela professora, e isso era de praxe no ensino do interior da Bahia. Enquanto os meus colegas executavam a tarefa na medida em que eram chamados, o restante de nós ficava estudando a matéria para não cometer erros e entrar pelo cano.

Finalmente chegou a minha vez de ser chamado, levantei-me, ouvi o que deveria fazer, fui até o quadro, respondi tudo cheio de mim, me achando o próprio capeta, e ao voltar para o meu lugar antes de sentar-me eu ouvi aquela voz cândida, mas carregada de uma ameaça subliminar.

- Por que você fez deste jeito, Joãozinho?

-Porque é este o jeito correto! Respondi

- Por que você fez deste jeito menino? Está errado! Não foi assim que ensinei!

- Fiz deste jeito por quis! E é o jeito correto que eu aprendi!

De repente notei que algo de estranho acontecia! Em plena manhã de outono o céu estar estrelado, tinha algo de errado! E tinha! Antes de eu confirmar a minha desconfiança, a régua não fazia distinção de partes do meu corpo. Nesta época era normal estarmos com algumas perebas em função de picadas de mosquitos, e eu tinha medalhas no braço, na cabeça, nas pernas e as cascas das feridas, recalcitrantes em si despregarem, com as reguadas começaram a pular do meu coro. Na minha cabeça o pus começava a escorrer.

Tomei a única sova de dona Lucília em toda a minha vida, mas foi talvez a maior sova da minha vida em sala de aula. Enquanto a régua cantava, eu saltitava igual que nem canguru tentando escapar da saraivada de reguadas a sala assistia a tudo em silêncio, não acreditando no que estavam vendo: Joãozinho de dona Rosa sendo cruelmente castigado!

Depois da tormenta a minha imagem era de um cordeirinho acuado, medroso, humilhado! A minha altivez na hora de dar uma resposta mal educada para a professora havia desaparecido! Nem trinta segundo ela durou! Mas a humilhação e o medo de apanhar de novo, já que eu era aluno interno e a regra era que, se apanhasse na escola, o fato se repetiria em casa.

Graças a Deus que no segundo semestre chegou uma nova professora e o segundo ano foi dividido em dois e sai das mãos de dona Lucília. Mas em 1968, no terceiro ano cai novamente nas mãos dela e pasmem! Treze alunos reprovaram com ela e dentre eles eu estava e para azar, novamente estudei com ela em 1969, mas os tempos já eram outros e tudo correu na mais bela paz.

Neste dia dos professores quero homenagear a professora Dona Lucília Castro Nery, que apesar do seu jeito severo em uma época em que si punia alunos com castigos, foi uma extraordinária professora para a nossa geração e particularmente para mim, que convivi com ela em toda a minha vida em Santa Maria, porque ela fazia parte do círculo de relações com a família que me criou. Seus sobrinhos e sobrinhas são meus grandes amigos até os dias de hoje.

Também escolho os meus colegas de Veridiana, Roberto Carlos, que foi o colega que se preocupou em dar as boas vindas para mim, quando do meu ingresso no primeiro dia de atribuição; Leila professora de português que me fez lembrar da minha grande professora Arturzita, e que me deu as primeiras dicas para lecionar português para o Eja e o ensino médio; Bombom, porque muito me ajudou a lidar com a garotada, quando era inspetora de alunos e hoje, como colega batalhadora professora de português, que sempre está incentivando-me nos meus momentos de desesperança.

Dona Lucília, Roberto, Leila e Bombom, através de vocês eu desejo um feliz dia dos professores a todos os professores do Brasil! Quiçá um dia os professores voltem a ser respeitados e valorizados.

É o que há

Joãozinho de Dona Rosa
Enviado por Jota Kameral em 14/10/2018
Reeditado em 14/10/2018
Código do texto: T6476073
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