PRETÉRITO IMPERFEITO

Quase todas as vezes que o dia amanhece assim, minha maior ambição é ir até o banheiro, de onde volto para minha cama e observo o cinza do lado de fora, ouço as gotas batendo no telhado, o que poderia ser poético, se este ruído não se misturasse com o das goteiras que aumentam o volume de água nos baldes espalhados por esse quarto fodido.

Roupas velhas e sujas, latas e garrafas vazias, livros espalhados e um cheiro que, segundo o último amigo que aqui esteve, há mais de três meses, causava náuseas. Falei a ele para aproveitar esse ensejo para me deixar em paz. Parece que surtiu efeito. E assim têm sido meus dias, mergulhado em solidões, sendo a do âmago a que dilacera sem cessar.

Como cheguei até aqui? Não, não me refiro a essa espelunca, até porque essa é uma de tantas que já me abriguei, não ligo para isso. Quero saber o porquê o aluno tido pelos professores como cheio de potencial virou isso. ISSO. Coisa! Entre os amigos de infância, o notável, mas não me importava com isso, era um saco essa fama, pois achava tanto os professores quanto os amigos tediosos, não levando em consideração adjetivo algum a meu respeito, queria era andar. E andava. Às vezes passava dias fora de casa, de um lado para o outro, dormia nos bancos de praças, parques ou até na areia, quando conseguia uma carona até a praia. Gostava de ficar sozinho olhando para aquela vastidão.

Um dia, com meia dúzia de trapos que tinha, andei e não voltei mais para casa, meu pai ainda é um homem triste por isso, ele não merecia tal contingência na vida. Primeiro a mulher, deixando-o com o filho pequeno, agora o filho, que cresceu e aumentou a solidão do velho de forma compulsória, ao contrário da minha, pois quero que assim seja. Mas por quê?

Continuo olhando para fora e aqui dentro não muda nada, é aqui que está o problema, lá fora não há o que buscar. Um filete de medo finalmente brota aqui dentro, pois temo morrer sem sequer ter vivido. Mas chorar eu não vou. Uma vez escutei alguém cantando algo relacionado a sentir como um vira-lata inseguro, sem fé no futuro, alguma coisa assim. Fé nunca tive. Futuro? Antes não tivesse. Mas então por que temer a morte, por que não antecipá-la? Isso eu não sei, só sei que quando olho para trás, vejo como os professores e amigos estavam errados, certa estava a minha mãe, que abandonou o barco antes dele afundar.

Hoje não vou trabalhar, vou jogar a água dos baldes pela janela e voltar para a cama, aqui está do jeito que eu gosto.

João Carlos, inverno de 2008.

Eder Oliveira
Enviado por Eder Oliveira em 13/10/2018
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