TeXtículo (3) – CRIANÇA
Algo impossível de se falsear em uma criança feliz: seu sorriso;
A expressão mais ‘encenada’ nos adultos: o sorriso.
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Ouso dizer que só as crianças são felizes enquanto os adultos deixam.
Acredito que a felicidade, assim como todas as virtudes sensíveis que se manifestam por meio de um prazer inexplicável, só ocorre na espontaneidade. Somente as crianças são capazes de serem espontâneas, de fato. A espontaneidade adulta não é ‘de fato’; é representativa, simbólica, encenada.
Uma criança feliz é sempre uma criança espontânea em seu jeito de ser e estar. Demonstra autonomia e iniciativa para com outras crianças. Brinca com o ‘nada’ e se envolve em qualquer brincadeira.
Brincar é um aplicativo inato que a criança usa para perceber o mundo. Enquanto ela percebe, ela brinca, ela é feliz. Ao entrar no mundo adulto ela é obrigada a conhecer o mundo. A felicidade dá lugar à obrigação, à imposição, ao dever. Ela deixa, paulatinamente, de ser feliz.
A brincadeira traduz o mundo adulto às condições lúdicas de cada criança apreender e aprender a cultura. É como se fosse uma transposição da cultura em percepções sensíveis que geram conhecimentos de forma espontânea. Enquanto criança – e somente criança – é dada esta condição.
Brincar de forma espontânea ou mesmo dirigida – nunca imposta – é a única forma natural de aprender. É a melhor forma.
Quando uma criança não ‘quer entender’ algo a melhor receita é brincar com ela sobre. Ela vai entender da sua forma como a representação do mundo e as ‘coisas’ funcionam.
A cultura – representação do mundo – tem duas lógicas: do adulto e da criança. Em qualquer faixa etária, qualquer sujeito ao brincar com uma criança despe-se da adultice*. Se for autêntico experimentará raros momentos de felicidade, de fato.
De fato, nenhuma criança procura sair do mundo infantil para o mundo adulto. Só em desejo. Porque o desejo é formatado a partir de elementos conscientes e inconscientes. Os inconscientes são proibitivos. O mundo adulto tem, para a criança, uma dimensão proibida. Quando descobre o engodo que é o mundo adulto, qualquer ‘criança’ lamenta não poder voltar ser criança.
Ser criança feliz é ser o que se deseja ser. Mas isto é sonho e torna-se utopia na medida em que se cresce. Infelizmente (desejaria que fosse felizmente) o mundo adulto tem sua base no contrário: a repressão dos desejos, especialmente os que levam à espontaneidade. Por isso, adultos precisam de motivos, objetos, artefatos e relações bem sucedidas para se sentirem satisfeitos, o que se chama, inadequadamente, de felicidade. A criança não precisa de nada disso para ser feliz.
Felicidade é o ingrediente mais importante para um desenvolvimento infantil adequado em todas as dimensões. Construir e permitir às crianças felicidade por meio da espontaneidade é uma aposta segura em um mundo melhor e mais fraterno.
Brincar com as crianças e promover que elas brincam com tudo, com ‘nada’ e com todos ou mesmo individualmente é otimizar a formação dos elementos necessários da identidade, personalidade e caráter que constituirão o comportamento adulto.
Ser e permanecer criança não deveriam ser um imaginativo. Deveria ser um imperativo.
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* TELLES, Carlos Queiroz. Abobrinha quando cresce... São Paulo: Moderna, 1994.