Política: a cabine indevassável
1. Coisas do passado. Sim, houve um tempo em que só se viajava de avião, os homens, de paletó e gravata, e as mulheres, nos trinques e exibindo exuberantes chapéus; verdadeiros bolos de aniversário.
2. Coisas do passado. Sim. "Houve um tempo em que todo rapaz normal era apaixonado por uma estrela de cinema e toda moça era vidrada num ator", escreveu Rubem Braga, em bela crônica, que o leitor encontra no seu livro "Recado de primavera".
3. Coisas do passado. Ainda o "Sabiá da crônica", em outra bonita página, do mesmo livro: "E de repente nós nos lembramos das damas antigas, dos velhos romances: como guardavam as coisas nos seios!"
4. Coisas do passado. Sim, diria que, nas eleições, em respeito ao intransferível ato de votar, o eleitor vestia roupa nova para comparecer à cabine de votação, indevassável, desde sempre.
5. Aconteceu comigo. Não sei se foi a primeira vez que o eleitor que lhe fala foi visto de paletó. Um paletó - inda me lembro de sua cor, um cinza-escuro -, seguindo à risca o modelo da época, ou seja, lascado atrás, que o vulgo apelidava de "bunda alegre".
6. Um detalhe que agora confesso sem constrangimento: o paletó não era meu. Na undécima hora, tomara por empréstimo de um generoso amigo apatacado. O importante era votar devidamente paramentado.
7. Foi na eleição presidencial de 1955. Votei, já disse em outras crônicas, no Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976) e no seu vice, o Dr João Belchior Marques Goulart (1919-1976). JK derrotou o senhor Ademar Pereira de Barros (1901-1969) e o General Juarez Távora (1898-1975), ilustre cearense.
8. As eleições d'outrora também eram contestadas. Suspeitava-se de terem sido manipuladas, beneficiando este ou aquele candidato. Havia chefetes políticos, em grande número, que terminavam trabalhando a cabeça do eleitor incauto. Pergunto: é coisa do passado?
9. Respondo: melhorou muito com o advento da moderna técnica de colher e apurar os votos. Os chefetes políticos tutores, não vou dizer que desapareceram. Mas, de certa forma, perderam força. Desaparecendo, consequentemente, os abomináveis "currais eleitorais", que definiam um pleito.
10. Falei na cabine indevassável. Ah, a cabine indevassável! Local sagrado! Onde reina o mais absoluto silêncio, ótimo para reflexão! Garantidora da privacidade do eleitor. Na cabine, ele é o dono do pedaço, que lhe é dado, de graça, pelo regime democrático, e só por ele.
11. Sobre a cabine indevassável, em janeiro de 1947, a escritora Rachel de Queiroz (1913-1990), veja foto, escreveu belíssimo artigo publicado na "Última página" da revista "O Cruzeiro", na época a revista mais respeitada da República. Transcrevo, logo em seguida, o que escreveu a autora de "Memorial de Maria Moura" sobre a cabine eleitoral.
12. "E agora um conselho final, que pode parecer um mal conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar em alguém, se sofre pressão de algum poderoso para sufragar este ou aquele candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se que o voto é secreto."
13. Prossegue Rachel: "Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE INDEVASSÂVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra dada à força, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno". Qui belo!
14. Você leu? Viu, então, que o conselho da Rachel não é coisa do passado. Por isso, eleitor dileto, eleitora amada, aceite-o sem ter vegonha de aceitá-lo... Vote com independência e nobreza. Pois, ainda segundo a valorosa escritora alencarina, e no mesmo artigo, "...numa democracia, o ato de votar representa o ato de FAZER O GOVERNO". Pense nisso ao entrar na cabine indevassável.
1. Coisas do passado. Sim, houve um tempo em que só se viajava de avião, os homens, de paletó e gravata, e as mulheres, nos trinques e exibindo exuberantes chapéus; verdadeiros bolos de aniversário.
2. Coisas do passado. Sim. "Houve um tempo em que todo rapaz normal era apaixonado por uma estrela de cinema e toda moça era vidrada num ator", escreveu Rubem Braga, em bela crônica, que o leitor encontra no seu livro "Recado de primavera".
3. Coisas do passado. Ainda o "Sabiá da crônica", em outra bonita página, do mesmo livro: "E de repente nós nos lembramos das damas antigas, dos velhos romances: como guardavam as coisas nos seios!"
4. Coisas do passado. Sim, diria que, nas eleições, em respeito ao intransferível ato de votar, o eleitor vestia roupa nova para comparecer à cabine de votação, indevassável, desde sempre.
5. Aconteceu comigo. Não sei se foi a primeira vez que o eleitor que lhe fala foi visto de paletó. Um paletó - inda me lembro de sua cor, um cinza-escuro -, seguindo à risca o modelo da época, ou seja, lascado atrás, que o vulgo apelidava de "bunda alegre".
6. Um detalhe que agora confesso sem constrangimento: o paletó não era meu. Na undécima hora, tomara por empréstimo de um generoso amigo apatacado. O importante era votar devidamente paramentado.
7. Foi na eleição presidencial de 1955. Votei, já disse em outras crônicas, no Dr. Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976) e no seu vice, o Dr João Belchior Marques Goulart (1919-1976). JK derrotou o senhor Ademar Pereira de Barros (1901-1969) e o General Juarez Távora (1898-1975), ilustre cearense.
8. As eleições d'outrora também eram contestadas. Suspeitava-se de terem sido manipuladas, beneficiando este ou aquele candidato. Havia chefetes políticos, em grande número, que terminavam trabalhando a cabeça do eleitor incauto. Pergunto: é coisa do passado?
9. Respondo: melhorou muito com o advento da moderna técnica de colher e apurar os votos. Os chefetes políticos tutores, não vou dizer que desapareceram. Mas, de certa forma, perderam força. Desaparecendo, consequentemente, os abomináveis "currais eleitorais", que definiam um pleito.
10. Falei na cabine indevassável. Ah, a cabine indevassável! Local sagrado! Onde reina o mais absoluto silêncio, ótimo para reflexão! Garantidora da privacidade do eleitor. Na cabine, ele é o dono do pedaço, que lhe é dado, de graça, pelo regime democrático, e só por ele.
11. Sobre a cabine indevassável, em janeiro de 1947, a escritora Rachel de Queiroz (1913-1990), veja foto, escreveu belíssimo artigo publicado na "Última página" da revista "O Cruzeiro", na época a revista mais respeitada da República. Transcrevo, logo em seguida, o que escreveu a autora de "Memorial de Maria Moura" sobre a cabine eleitoral.
12. "E agora um conselho final, que pode parecer um mal conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar em alguém, se sofre pressão de algum poderoso para sufragar este ou aquele candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se que o voto é secreto."
13. Prossegue Rachel: "Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE INDEVASSÂVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra dada à força, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno". Qui belo!
14. Você leu? Viu, então, que o conselho da Rachel não é coisa do passado. Por isso, eleitor dileto, eleitora amada, aceite-o sem ter vegonha de aceitá-lo... Vote com independência e nobreza. Pois, ainda segundo a valorosa escritora alencarina, e no mesmo artigo, "...numa democracia, o ato de votar representa o ato de FAZER O GOVERNO". Pense nisso ao entrar na cabine indevassável.