EDUCAÇÃO. PASSAGENS. AMIZADE. 20

Não se toma café frio, mas há quem goste. Certa vez, na casa de amigo cujo pai havia se acidentado, inclusive em acidente de automóvel em que perdera a mãe, seu pai, grande advogado e amicíssimo de meu pai como eu de seu filho, deitado em cama de hospital em casa, operado da antiga rótula, hoje patela, recebendo inúmeras visitas, chegou o grande nome nacional Prado Kelly, advogado, jurista, poeta, jornalista e magistrado brasileiro. Foi deputado federal, ministro da Justiça, presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

E me vendo circular me chamou e pediu: Jovem seria possível me servir um “café à holandesa”. Eu ainda nada conhecia da Holanda nem sua maravilhosa Amsterdã.

Sim senhor, só não sei como é seu preparo, ao que ele disse, forte, sem açúcar e com uma pedra de gelo.

Assim são os gostos, é como amizade. É possível conviver e respeitar a todos, mas impossível aproximação com pessoas de alta aspereza e principalmente inconvenientes. Dizem que fui truculento, brigão e difícil na juventude, assim era conhecido, digamos, um “vero carcamano”, mas minha educação que herdei de uma dama , minha mãe, não permitiu nunca que deixasse de conhecer meus limites.

Por isso a Carta de São Tiago é um verdadeiro manancial de compreensão:

"Quando pomos o freio na boca dos cavalos, para que nos obedeçam, governamos também todo o seu corpo. A língua é um pequeno membro, mas pode gloriar-se de grandes coisas. Considerai como uma pequena chama pode incendiar uma grande floresta. Também a língua é um fogo, um mundo de iniquidade. A língua está entre os nossos membros e contamina todo o corpo; e sendo inflamada pelo inferno, incendeia o curso da nossa vida.É um mal irrequieto, cheia de veneno mortífero. Com ela bendizemos o Senhor, nosso Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma mesma boca procede a bênção e a maldição. Não convém, meus irmãos, que seja assim."

Sim, fui brigão demais , etc,não discordo, mas tenho a educação de minha mãe que era finíssima, e conheço minhas palavras e minhas balizas, não excedo a defender iniquidades e nem mentiras, e a educação cede ao gênio se preciso for na medida e hora certas. E repilo com veemência a inconveniência dos mal educados que de perto já conheceram " o carcar a mano", como gosto, ainda, mesmo coroa vetusto.

Certa vez um escrivão me disse, quando eu trabalhava no interior muito jovem, vinte e nove anos: “Doutor, esteve aí um advogado de Niterói e quando viu o senhor, disse ele espantado, esse é o juiz(?), sou de Niterói, ele era de temperamento muito forte, assim conhecido, e ficou surpreso.

São assim as pessoas, entendem as outras por perfis diversos, como certa vez quando parei na frente do antigo Banerj, onde recebíamos vencimentos e estava de moto como sempre. Anos setenta, e quando saí encontrei um Desembargador muito amigo que disse: Panza, que moto bonita. Chega um puxa saco, também magistrado com quem não me dava nem conhecia direito, só suas atuações suspeitas, notórias, que tinha uma história meio suja e diz apontando a moto : “um juiz andando de moto Desembargador; me censurando. De pronto disse : mas tenho as mãos limpas, diferente das suas, ou seja, chamei de ladrão na hora. E olhei firme para ele, pois minha vontade, ele sentiu era “carcar a mano”, ele sentiu e saiu rápido.

Disse o Desembargador amigo, Panzinha, você é igual ao seu pai, gostei, concluiu.

A amizade é semelhante a um bom café; uma vez frio, não se aquece sem perder bastante do primeiro sabor. Mas existem gostos diferentes, sendo que a educação há de prevalecer pelo respeito quando devido.

Celso Panza
Enviado por Celso Panza em 09/10/2018
Reeditado em 28/01/2019
Código do texto: T6471415
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