DESERTO E TEMPESTADE

Como de costume, despertou ao som do liquidificador e dos antigos hinos da Harpa cantados pela mãe. Cinco e meia da madrugada, esse era o ritual.

"Bênça, mãe". "Deus abençoe". Escovou os dentes e, enquanto tomava um café, observava a mãe na pia, fazendo e embalando os sucos naturais que venderia no farol naquele dia. "Vou fazer uma entrevista hoje, mãe". Enquanto vestia sua calça jeans, sua mãe dizia que tinha pedido a Deus que abrisse as portas de um emprego a ele. Beijou a mãe e quando estava saindo, olhou aquela mulher forte e sentiu um orgulho que não lhe cabia no peito. Depois marchou até o ponto e pediu para o motorista deixá-lo entrar por trás, pois teve vergonha de passar por baixo. Já estava prestes a completar 17 anos.

A entrevista não foi o que esperava, era para trabalhar como vendedor externo em uma empresa de cosméticos que nunca tinha ouvido falar. Sem salário fixo, vale refeição, nem condução. Só comissão. Desanimado, aceitou. Era melhor tentar. Pensou na mãe e resolveu que iria testar o seu ego.

Quando saiu do escritório, no Largo da Batata, olhou a multidão e se misturou a ela. Enquanto caminhava, viu no espelho de uma loja um rapaz com o ar lânguido, tênis puídos e um deserto ao seu redor.

A tarde caiu e ele não conseguiu vender nada. Quando deu conta, estava próximo ao Jardim Monte Kemel. Tinha caminhado de Pinheiros até ali, batendo palmas nas casas, tocando campainhas e ouvindo "não, obrigado". Resolveu ir até o farol que a mãe vendia seus sucos, na Av. Eliseu de Almeida, mas, chegando lá, viu de longe sua mãe entre os carros, com o andar cansado, porém altivo, oferecendo seu produto. Apesar do imenso orgulho, sentiu uma igual tristeza e não quis se aproximar. Correu e foi sentido ao Taboão da Serra.

No morro do Cristo, subindo as escadarias, refletiu sobre sua condição. Queria tirar a mãe daquele trabalho, dar um conforto a ela. Eram só os dois no mundo. Já tinha trabalhado em alguns lugares: na feira, ajudante em uma oficina mecânica e servente de pedreiro. Negou o vapor. Parou no meio das escadas, mãos no rosto, soluçando. Uma senhora que vinha subindo se aproximou.

-O que um jovem tão bonito faz aqui chorando?

-Não consigo arrumar um emprego. Não aguento mais ver a minha mãe sofrer.

-Não, meu filho, não fique assim, eu vou orar por você. Me dê um abraço. As portas vão se abrir.

Depois de alguns minutos de conversa, ela se foi e levou aquela amargura junto. Como a chuva que parecia interminável passa e dá lugar ao sol, aquelas palavras e gestos secaram as lágrimas e arrancaram as trevas do peito dele.

No dia seguinte, ele acordou com o velho ritual. Beijou a mãe, pediu a bênção e saiu, não sem antes tomar um gole de café. Devolveu os produtos na empresa, agradeceu a oportunidade e voltou, depois de passar por baixo da catraca do ônibus que vai para o Jd. Ingá, chegou ao local de trabalho da mãe. Deu um beijo e um chocolate a ela. Depois, sem falar nada, pegou dois sucos e se misturou aos carros, oferecendo aos motoristas. Ela sentou e sorriu.

Naquele dia, voltaram para casa cantando os velhos hinos e contando os frutos da nova parceria. Ele só pensava como faria para encontrar aquela senhora das escadarias, se é que isso seria possível.