Passaredo em polvorosa
O passaredo andava em polvorosa; após anos sob o governo dos periquitos, entraram as araras bicolores. Os periquitos se valeram do auxilio das águias, incomuns nessa hiléia, mas, apesar disso não se furtavam a “auxiliar” florestas “em risco” nesta banda do hemisfério. Gaviões e abutres também fizeram parte daqueles anos pau-ferro. As araras bicolores chegaram tímidas prometendo dias melhores, entretanto não queriam mudanças profundas. Bastava que alguns tivessem acesso as angiospermas mais frondosas e permitissem que o passaredo miúdo se alimentasse das sobras ao sopé das árvores.
O comando era exercido a partir de uma charneca bem no centro do habitat; lá havia uma castanheira alta de onde se via ao longe e se comandava o lugar. Qualquer que ocupasse lugar na castanheira, deveria pousar com cuidado e evitar movimentos bruscos. Movimentos descuidados na castanheira provocavam queda de seus massudos frutos, o que sempre resultava em ferimentos leves, graves ou até mortes; o movimento de passeriformes abaixo, acima e principalmente embaixo da castanheira nunca foi pequeno.
Quando as araras bicolores deixaram o poder, um pavão bem afeiçoado foi conduzido ao comando. Prometia cassar abutres e gaviões, os quais chamava pela alcunha de “maracajás”, talvez uma alusão a gatunice. Estes, bem instalados nos pontos mais privilegiados da charneca, alcançavam com facilidade os frutos mais saborosos para si e para suas crias mal acostumadas. As ações do pavão seriam em favor do passaredo miúdo, prometera ele. Após curto período, já havia desagradado a todos, deixara os maracajás indignados e o passaredo perplexo. Pressionado, abandonou a charneca deixando o comando nas mãos de certo pica-pau de topete que convocou tucanos para auxiliá-lo. Houve um alívio. Mas o pica-pau gostava mesmo era de “passarinhar”, deixando o comando nos bicos dos tucanos.
Entusiasmados com o poder, os tucanos logo se assanharam; queriam substituir o pica-pau tão logo fosse possível. Alarmando o passaredo que iria manter as propostas que estavam dando certo, legitimaram-se no comando e ocuparam todos os espaços da castanheira da charneca. Não conseguiram remover de seus pilares os maracajás, que apenas disfarçaram suas vantagens com ações de “benfeitoria” alardeadas por papagaios contratados para tal. Eles sabiam muito bem como “dourar a pílula”. Após um longo comando, o passaredo miúdo quis mudar. Elegeu araras coloradas para ocupar a castanheira da charneca.
O passaredo miúdo finalmente se sentia representado. As angiospermas frondosas agora não eram privilegio de alguns. É certo que ainda não era para todos, mas muitos conseguiam um lugarzinho nos galhos para saborear doçuras outrora impossíveis. Outras frondosas foram plantadas para atender a demanda. As coisas mudaram, entretanto, os maracajás continuaram em seus postos. Mas, como tudo que é bom dura pouco, uma mudança no ambiente fez cessar aquele período de alegria. Grossas nuvens se formaram no horizonte e a Hiléia recebeu uma tempestade tropical nunca vista. Boa parte da arvores frondosas foram arrancadas pela tormenta, ninhos foram destruídos e grande parte da mata acabou inundada. A coisa ficou ruim pra boa parte da comunidade; quando a água baixou o que restou foi muita lama; o passaredo agora fora induzido a encontrar o culpado.
Gaviões e abutres perceberam logo que teriam vantagens naquela balburdia, ao longe as águias observavam. Entraram em cena novamente os papagaios. Contratados pelos velhacos, sua função era espalhar para a comunidade que a culpa pela grande chuva era das coloradas, “e os da sua laia” diziam; “não fossem eles o clima estaria ameno”. Não demorou e já traçaram um plano para manter a charneca sob seus domínios, agora de preferência com alguém que ninguém conhecesse.
Em pouco tempo um nome bombástico já estava no bico das aves. Era um líder capaz de virar o jogo e fazer diferente de tudo que se vira ate então. Era tão estranho que pouco de seus atos era de conhecimento geral; pipocava uma informação aqui e outra ali. Peiticas, corujas e uirapurus, tidas pelos antigos como agourentas, foram convocadas para ajudar no processo. Eles “falaram” ao passaredo com suas vozes roucas e logo um grupo grande já estava decidido. Aquele nome era o do esperado.
Um canarinho belga que excursionava pela Hiléia, ficou curioso com toda aquela paixão. Até os filhotinhos já usavam camisolas com o slogan apologético “o criador, a hiléia, a passarada”.
O futuro mandatário era um tanto desconhecido, ninguém sabia direito quem ele era, mas todos sabiam suas palavras de ordem e a repetiam a todo o momento “o criador, a hiléia, a passarada”. Quando ouviam sua voz ecoando essas máximas, iam ao delírio. O canário belga quis saber quem era ele e foi investigar. Descobriu e ficou chocado. Então voou ligeiro ao velho mundo pra contar as novas.
O passaredo de lá ficou de bico caído ao saber que o passaredo de cá está se preparando pra sufragar o espantalho.