Nem

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Existem ocasiões nas quais nós, escritores, ficamos surpresos com a nossa incapacidade de escrever. Sentamos, olhamos para o teclado – não devemos prescindir a era da informática. Tentamos imaginar, a nosso estilo, situações diárias pitorescas: extravagantes, comuns, drásticas, macabras, relevantes, insignificantes e nada... nada nos inspira.

Sinto-me assim agora. Penso em falar do modo como acordei. Seria interessante dizer ao meu público fiel, aos meus leitores invisíveis, que acordei amarrotado, cama desarrumada?... que há de chamativo nisso? E se eu disser que mijei na cama e pus a culpa na minha filha que dormia no quarto vizinho? Não acreditariam! Ririam de mim e com razão. Que bobo!

Nem o sol, nem a chuva, nem o dia, nem a noite... nem outros poetas, nem os provérbios, nem os cânticos de Salomão, nem o Nem... falar do quê?

Poderia começar assim:

Nem! Veja como o sol está lindo! O dia. Você sente o calor dos raios do sol que irrompem acima, no horizonte, bronzeando a pele da doce morena que desfila única, sedutora e radiante na orla, à beira-mar?... Observe a noite, Nem! Vê as estrelas que por tantas vezes se fizeram materializar nos lábios e nos versos de tantos poetas na hora mística do flerte malicioso e certeiro de sedentos noviços enamorados ao florescer dos lampejos do amor?... Cuidado com a chuva, Nem! Não deixe que os pingos molhem teus sonhos de menino, privando-te do sonho maior da tua imaginação, agora tão longe de ti... Nem! Conhece os provérbios poéticos dos cânticos de Salomão?

Mas quem é o Nem? Nem eu sei. Surgiu assim do nada, da ausência de inspiração.

Você conhece algum Nem? Sim!? Ótimo! Então este é o seu que se fez meu para criar, para brincar com as palavras; torná-las dóceis, meigas, vulneráveis, escravas de mim.

– Ei! Mas eu não conheço nenhum Nem!

– Que legal! Pensei que somente eu... Ah! não importa. Vamos conhecê-lo, então?

Há ocasiões, no mundo do imaginário, onde o poeta não tem como trabalhar o fruto do seu trabalho: a palavra. Aí ele fica triste. Pensa em desistir de tudo, achando que suas historinholas deixarão de existir. Surgem, então, palavrinhas novas para ele, palavrinhas desconhecidas. Ele fica feliz e começa a brincar, brincar com as palavrinhas e assim surgem contos, poesias e até crônicas. Hoje ele brincou assim:

Nem o mar...

Nem o sol...

Nem o brilho das estrelas...

Mostrei este texto a alguns amigos. Eles me disseram que vários autores já escreveram sobre a ausência de inspiração. Pensei em desistir, mas me veio a seguinte decisão: trabalharei mesmo a mesmice, embora redunde em redundância!

Mas voltando ao final do texto. Parece até letra de música, não é?

É isso aí.

Fortaleza – Ce, 06 de março de 1999.

Do meu livro 'Crônicas e mais um conto'