Carta à gay imigrante eleitora do Bolsonaro
Olá, Augustin Fernandez! Vi o teu vídeo sobre o motivo de você votar no Bolsonaro. Bem, respeito, e muito, a tua decisão. Chego a concordar com alguns pontos, quando dizem respeito aos LGBTIs. Por exemplo, superconcordo que o próprio “vale” é machista, homofóbico e racista. Eu mesmo, enquanto gay, negro, afeminado e pobre, sofro diariamente com todos esses estigmas. Em aplicativos, como o Grindr, por exemplo, um cara branco chegou a dizer para eu cortar o meu “cabelo de arapuca” e pedir para eu me matar.
Por outro lado, você não acha que eleger alguém que propaga discursos de ódio contra as minorias – não adianta dizer que não há isso em vídeo, pois você encontra facilmente em qualquer busca no Google – não é legitimar pessoas que já têm essa predisposição avessa àquilo que elas não consideram como normal? Olha que não estou dizendo que Bolsonaro é isso, muito embora ele aja como tal, mas colocando que indivíduos homofóbicos, machistas e racistas se espelham nele para cometerem atrocidades, desde o compartilhamento de bobas “fake news” a feminicídios, por exemplo.
Ainda assim, sigo respeitando a tua escolha de voto, bem como faço com muitos amigos pessoais e das minhas redes sociais. No entanto, o que me incomoda é essa personificação do salvador da pátria na figura de um presidenciável, este que já declarou total despreparo em assuntos vitais para o desenvolvimento econômico, educacional e humano do país. E não estou com discurso petista, pois, enquanto negro (gay e afeminado), não me sinto representado nem pela direita nem pela esquerda.
No teu vídeo, você disse, em outras palavras, que nunca disseminou discursos padrões, o que não te torna rentável ao mercado. Pela minha interpretação, esse “padrão” você associa diretamente aos LGBTIs, já que, mais à frente, você pontua que não é “Maria vai com as outras” pela existência do movimento “#EleNão”.
Parando bem para pensar, você realmente acha que milhões de pessoas, inseridas num contexto de mulheres, negros, indígenas, LGBTIs, pobres, analfabetos, reproduzem mesmo um discurso padronizado? Na realidade global, esses grupos têm mesmo um espaço hegemônico na política? Na demografia brasileira, essas populações podem até ser majoritárias (negros e mulheres ultrapassam 50%), mas você consegue vê-los representados num eventual governo extremista proposto pelo teu candidato?
Amigo ou amiga, somos minorias sociais. Infelizmente, muitos de nós preferimos ser domesticados em troca de migalhas que soam como “mimos” do opressor. Por exemplo: um “capitão do mato” tinha regalias, mas ele ainda era escravo e tinha a obrigação de caçar, sem aspas, os semelhantes.
No teu caso, você terá as tuas viagens, festas, estadia no Brasil, mas ainda será só aquele “viadinho” cuja função é apenas maquiar as dondocas e ser motivo de piada para os patrões que têm nada contra gays, mas que não querem vê-los trocando afetos na rua, andando de salto alto na empresa ou comandando, quem sabe, um ministério.
Mas é a tua escolha. O teu voto. Talvez você tenha força o suficiente para ir ao gabinete do Bolsonaro, rebocado dos pés à cabeça, com batom fúcsia e salto alto, para cobrar mais políticas públicas ao provável futuro presidente que é terminantemente contra a imigração de pessoas vindas de países com regimes de esquerda ao Brasil, como é o caso da tua terra natal, o Uruguai, onde Mujica foi uma grande liderança “esquerdopata”.
É óbvio que você não passa por nenhuma lavagem cerebral das tuas ricas clientes, casadas com empresários mi ou bilionários, muitos que sonegam impostos e precarizam o quanto podem as condições de trabalho dos funcionários. Já que toquei no assunto e você criticou reforma trabalhista, o teu candidato ajudou a aprovar o texto do governo Temer que privilegia os patrões e manda um “dane-se” para os trabalhadores. Estude mais sobre a situação política do Brasil, inclusive do Bolsonaro.
Enquanto figura pública, você tem um papel social muito grande. Jamais quero fazer você mudar de ideia em relação ao teu voto. Só acho que os teus argumentos têm falhas e elas só reforçam mortes de LGBTIs por serem LGBTIs, de mulheres por serem mulheres, de negros por serem negros, de indígenas por serem indígenas. Quando uma minoria se deixa domesticar pelo opressor, ela vai continuar no quartinho dos fundos, muitas vezes até intocável, já que a função dela é apenas dar munição para quem age contra o que deveria ser uma democracia plena.
Fique em paz, Agustin Fernandez!
Autor: Édrian Santos
Nota: Uruguaio e maquiador reconhecido em todo o Brasil, Agustin Fernandez se posicionou em favor do presidenciável Jair Bolsonaro e destacou que ele não é machista, racista nem homofóbico.