Fugindo do óbvio
Todo mundo tá cansado de saber que fugir é o meu jeito preferido de resolver qualquer problema. Quando eu tinha 13 anos e quebrei a batedeira novinha da minha mãe, eu fugi pra casa da vovó. Quando eu tinha 18 e fui demitida do meu primeiro emprego, eu fugi pra casa da tia Lu, em São Paulo. Quando eu tinha 20 anos e minha vó morreu, eu queria fugir pra casa dela, mas ela não estava mais lá, então eu fugi pro meu quarto e não saí de lá por uma semana. E quando você me deu um pé na bunda, eu fugi pra casa da minha melhor amiga, porque não suportava a idéia de ter que cruzar com você na esquina. E depois de me recuperar, ou pelo menos me sentir mais estável, eu voltei decidida e com tudo ensaiado para quando eu topasse com você na rua, já tinha decorado o meu discurso de desapego. Eu não topei com você na rua e eu até me senti aliviada, até que numa linda manhã de sábado meu celular tocou, era você pedindo desculpa seguida de: "vai fazer alguma coisa hoje?", e tudo que eu ensaiei pra dizer? Nada. Nao saiu nada. Nem uma palavrinha sequer. Não consegui pensar em nada. E o que eu fiz? Eu fugi, claro. Arrumei as malas, e lá vou eu rumo a um retiro espiritual, se é que se pode chamar assim. Uma semana, duas semanas, eu não posso voltar até me sentir preparada pra dizer tudo que eu ensaiei pra dizer, ok. Mais uma semana. Pilhas e mais pilhas de papel pra ler, horas e horas na frente de um computador, café pra sobreviver, calmante pra não pirar, passos para um lado, passos para o outro. Chega! Chega de tentar disfarçar tanto amor, eu jamais estaria preparada pra dizer tudo que eu ensaiei, fugir não adiantou. Não adiantou quando quebrei a batedeira, porque minha mãe me deixou duas semanas sem os meus livros. Não adiantou quando fui demitida, porque fugir não trouxe meu emprego de volta. Não adiantou quando minha vó morreu, porque ela não voltou. Eu prefiro mil vezes te ver parado no ponto, enquanto me espera chegar, prefiro ouvir tuas histórias, ao invés de ler esse amontoado de papel, prefiro você descalço passeando pela casa, enquanto me conta algum caso que te aconteceu, prefiro seus dedos enlaçados nos meus. E eu nem me dei a chance de te ouvir. No celular, inúmeras mensagens: " eu me precipitei, eu só estava mal comigo mesmo e não queria te deixar fazer parte disso", "sinto sua falta". Merda, 10 horas de viagem, quase trinta dias entupida de calmante e cafeína até os olhos, pra eu perceber que fugir não resolve nada, que essa hora eu deveria estar jogada no tapete da sua sala, enquanto você faz café e cita filmes que temos que assistir. pilhas e mais pilhas de papéis para ler, enquanto eu deveria estar batendo ponto na empresa. Tudo isso, e mais um pouco pra eu perceber que deveria ter te encarado, te dado um tapa na cara e ter ido dormir de conchinha com o meu problema, que na verdade é a solução.