Assim ou ... nem tanto. 155
O Medo
Morei com ele. Em criança colocava-me os bichos e os fantasmas debaixo da cama. Apagada a luz ficava transido de medo, imóvel, com receio até de respirar. Depois, pelo cansaço ou pelo facto de nenhuma restolhada anunciar catástrofes, adormecia com um sono pesado e, acordava quando me chamavam para ir à Escola. O medo fazia parte da noite, do escuro, dos carreiros sob as árvores mais fechadas e era um sentimento que não controlava. Bem me mostravam os cantos onde eu tinha visto os monstros e constatava que já não estavam mas nunca acreditei que nunca tivessem estado. Depois, quando cresci, passaram a ser outros os medos. De morrer, de viver, de não saber o que era preciso, de não conseguir que me amassem de verdade. Medo de não passar de ano, de não obter emprego, de o perder quando me fiz escravo a soldo. A maturidade haveria de revelar-me segredos importantes. Basta não sentir medo e ousar, basta caminhar sem olhar para trás, importa assobiar uma canção tremida quando, apavorado, sentia as balas a zunir sobre a cabeça, ou quando tinha de andar com passada vagarosa para não ser abatido. Suava, gemia por dentro, apertava a arma escondida sob a largura da camisola de lã e seguia, seguia. Agora o meu medo é de te perder. Por isso me atemorizam as tuas dores, o frágil que sinto a tua saúde, a agonia de ver os teus olhos encovados, a pele baça, o suor a perlar o teu rosto. Vai passar, diz-me o coração, mas há um medo fino, incisivo, viscoso, que teima em trazer-me à ideia todos os fantasmas de antes agora vestidos a rigor em batas brancas, em instrumentos de perfuração e corte, em químicos que te farão doer, definhar, desaparecer. E tudo isso é o corpo do medo que sinto. Enorme, cruel.