A SENHORA DAS PERNAS BOAS
Quase toda manhã essa senhora acorda com gosto para vida. Dá pernadas pela avenida, dá olhares para as coisas atrevidas e o guarda para si. Nada diz. Não é de dar trelas para estranhos nem quando percebe que olham o mesmo espetáculo.
Aquele olhar guardado, que nem se fazia passar por fotográfico, depois vira crônica. As pernadas da senhora são profissionais. Do campo, da cidade ou das oficinas. Profissionais dos mares, das orlas, das matas, dos rios.
Aquela senhora que esconde o poderio por trás do parapeito da indiferença, na verdade morria de vontade de sentir-se como as outras. Sentir-se como as mulheres sensíveis, amorosas e que falam de amor como se amor fosse um chocolate. Mas será que amor, pode mesmo ser comparado com uma coisa que derrete ao sol e por dentro do corpo se revela gordura trans?
Para a senhora das pernas boas, cantar o amor assim seria uma tremenda babaquice sem falar da infantilidade. O que seria o amor de verdade? Por certo poderia declarar amor às suas pernas boas e lhe desejar longa vida. Que o amor seria cuidar bem delas. Cada parte do corpo bem cuidada, uma nova história. Ela era uma senhora feliz e sabia. Feliz e sábia.