Somos todos farsantes
Enganar a gente mesmo é a maior moleza. Somos pós-doutorados na arte de produzir auto-farsas que juraremos de pés juntos serem a mais nítida expressão das nossas intenções mais verdadeiras e legítimas. A toda hora blefamos diante do espelho da vida jurando, se comprometendo e garantindo com todas as letras que faremos, atingiremos, mudaremos, conquistaremos etc. etc. etc. No fundo, bem sabemos que não passa de papo furado, mero subterfúgio para fingirmos que temos um objetivo nessa vida e nos pendurarmos nele para mostrar ao mundo o quanto somos capazes, o quanto somos fortes, o quanto somos decididos. E vamos levando essa ladainha tosca até cairmos em si e reconhecermos que a promessa não passou de folhetim barato, sem a menor relação com o que realmente pretendemos. Representar esse teatro de quinta categoria é o jeito que encontramos para não defrontarmos com nossos limites, medos e, sobretudo, com tantos sonhos de fumaça que construímos a cada dia. Mentir para si próprio com a maior cara-de-pau é artifício poderoso para lidar com nossas imperfeições de caráter, essas facetas bizarras incrustadas nas sombras da nossa personalidade, compondo as raízes das nossas razões e emoções. Sem isso, estamos perdidos, liquidados, mortos e enterrados. Sem esse fingimento reinando incólume, caímos na real e vai doer pacas. Sem essa máscara, que acaba se tornando a nossa face mais costumeira, ficamos à mercê da fragilidade dos nossos passos e das rouquidões da nossa fé. Temos que fazer uso das desverdades para validar cada verdade que guardamos no peito. Somos criaturas inundadas de falhas, rebarbas e defeitos - querendo admitir ou não. Mesmo aqueles que se mostram poderosos, decididos, bem resolvidos, maiores baluartes do sucesso, exemplos de vitória vitalícia, não passam de habilidosos farsantes com maior tarimba para enganar a si próprios com maior veemência, fazendo valer uma auto-retórica sedutora e irrebatível. Somos todos farinhas do mesmo saco, seres imperfeitos teimando em posar como peças perfeitas e coesas de uma engrenagem bem ajustada e que funciona divinamente. Até parece.