MACHADO NA HISTÓRIA



1---Entre 1872 e 1908, os romances machadianos: em 1881, ponto de inflexão que separa as duas fases de sua obra. ----- Fim da guerra do Paraguai (otimismo do Segundo Reinado, apogeu da sociedade liberal, a caminho o abokicinismo...), da Secessão nos States e guerra França X Prússia na Europa. ----- MACHADO escrevendo "Ressurreição" (1872) X TOLSTOI, "Ana Karenina", RIMBAUD, "Une Saison en Enfer", EMILE ZOLA, uma série de romances naturalistas (fragmentos 'voaram' até EÇA DE QUEIRÓS em "O primo Basílio"). ----- "Brás Cubas" - nessa época, liquidando o mundo burguês, novo seculo mais profundo e confiante em si mesmo. Sementes de marxismo, divulgação do evolucionismo, revolução estética, esta uma 'quase' loucura coletiva: no fim do século, muita inquietude perturbadora. ----- A nossa sociedade, "proteção" sob pequeneza cultural, recebia amortecidas as vibrações europeias e preparava um positivismo local, militar, síntese do racionalismo ocidental. ----- MACHADO DE ASSIS, muito leitor, muito curioso local acompanhou as defasagens, os dois climas espirituais desencontrados, não subserviente no tempo e no espaço, seus romances com a cor local (ambientação) e a inquietude do momento, unindo na mesma obra Geografia e História. Veio a Abolição desejada, República chegou, desmonorou-se o mundo liberal. ----- Ele, como homem e cidadão, genuíno representante da sociedade liberal burguesa, insensível e inconsciente não fala em trabalho... há dotes, há heranças, personagens sem condição servil, obra coma grandeza da universalidade e ao sabor de região e data.

2---Voltando... Primeiro romance em 1872, "Ressurreição" - já não um obscuro autor e impôs-se a um público indiferente e às vezes hostil; aos 33 anos, bom conceito, público, lar, fidalguia nas letras, ganho financeiro com a literatura. Agraciado com o grau de Cavaleiro da Ordem da Rosa, cinco anos antes, e casado três anos antes com CAROLINA AUGUSTA XAVIER DE MORAIS, felicidade longa e tranquila. Valores estabilizados - condecorado, aplaudido, admirado, amado, bem sucedido, após luta árdua (origem humilde e mistura racial). Não complexos de inferioridade ou pessimismo e sim coerência e poder de realização, reserva e distinção inatas, caminho certo sem hesitações e atritos - sem ódio ou despeito a humildade inicial, uma agora aristocracia silenciosa, irradiação majestosa. ----- O 'futuro' de 1872 será "Brás Cubas" e os olhos de ressaca de Capitu e as páginas do "Diário do Rio de Janeiro" - não se acomodou nas posições já conquistadas. Anteriores qualidades de linguagem, mas pouca densidade de conteúdo - a caminho, um verdadeiro MACHADO entre os maiores valores da língua portuguesa, CAMÕES, PESSOA......... Mais dez anos! Quarenta anos de idade. ----- Mas ainda a considerarmos romances da primeira fase, "Ressurreição", 1872, "A Mão e a Luva", 1874, "Helena", 1876, e "Iaiá Garcia", 1878 - maravilhosa expressão, graça e engenho de forma, narração corrida e lógica, capítulos subsequentes como cenas de teatro, porém pobres conteúdos e sem gênio, que o próprio assume no prefácio de "Ressurreição": a benevolência sobre volume de contos e novelas que publicara em dois anos, ânimo para escrever este livro, esboço de uma situação e o contraste de dois caracteres. Romance fraco, mistura de um Romantismo já agonizante e experimental Psicologismo - transição vislumbrando "Brás Cubas", já sem limites e ousadias, asas 'quase' adultas. Melhoras após "Ressurreição" - melhor equilíbrio entre conteúdo e forma,. Na "Advertência" em "A Mão e a Luva", declara Guiomar como objeto principal, a ação apenas como tela para os conceitos dos perfis. ----- Anos mais tarde, em crítica magistral a "O Primo Basílio", de EÇA DE QUEIRÓS, reclamará a "pessoa moral de Luísa", onde os fatos, forças externas, a movem como um títere (ih, o público não gostou nadinha porque gozava a escola realista ou naturalista). ----- E em "A Mão e a Luva"? Guiomar também perfil soprado pelo vento - vida interna, sim, que predomina sobre os eventos, porém a mesma atividade mecânica, superficialidade .de esquema psicológico e moral, tipo tirado da convenção da época. ----- Portanto, MACHADO foi homem de seu tempo, assentado e conformado com as tiranias do século. ----- Nos 4 romances, personagens burgueses e em geral vitoriosos. Em DOSTOIEWSKI, personagens não fazem nada, não têm emprego nem ocupações, apenas "ocupados" em serem... personagens. Em MACHADO, idem pertencentes à camada social dispensada do trabalho e do suor e que tinha a escravatura a favor - figuras centrais ricas, transmissão de fortuna pelo legado, figuras do tempo do autor, personagens burgueses coniventes, retratadas até 1881. O futuro fundador da academia mostra as aparências - presente na narração, intervém (bom enriquecimento!) como sendo um personagem como os outros, intrometido em obras de perspectiva pessoal, contradizendo o Realismo que pretendia objetividade e isenção do autor. No travesso jogo das paixões, os amores encaminham-se para o 'happy end' convencional ou esbarram ("Helena") em dureza. Hoje, antítese daquela época, temos que lutar contra o desvario dos costumes, em defesa do real, sem crer num moralismo estável - Helena, filha legitimada, que entra moça feita no quadro familiar com o jovem Estácio e a tia Úrsula, amor além de fraterno entre os jovens; ele, quase noivo de Eugênia, frívola e tola, sente fastio nesse namoro. Pelo perigo de icesto, solução possível seria casamento da heroína com Mendonça, amigo de Estácio. Mais adiante, eles não eram mei-irmãos, pai de Helena vive, nenhum sangue comum entre Helena e Estácio, porém o noivado dele não se pôde desmanchar, promessa indissolúvel, e Helena morre. ----- Aos primeiros romances de MACHADO, os moços enamorados são quase sempre ricos e herdeiros, casam e entram para a Câmara dos Deputados...

3---Numa segunda fase literária, fim do moralismo burguês, amável e supeficial, substituído por um angustiado vazio, deserto varrido por ventos de sandice. Um novo romance. marco da linha divisória, começa pela morte do personagem: da ordem racional e moral, o autor passa para o delírio, chave da nova estética. ----- "Memórias Póstumas de Brás Cubas"!!! Um fato novo... MACHADO libera o demônio interior, começando pela estrutra geral e sequência dos capítulos. O próprio autor, em prefácio, adverte sobre obra difusa - início pela morte, considerações e delírio; capítulos em digressões, quebra da narração e da unidade da obra, capítulos com unidade própria, páginas de antologia. Forte contraste entre obra anterior e "Brás Cubas", como se não fosse o mesmo autor - diferença não apenas em nova aventura, estória, ou nova estética, e sim na espiritualidade e inspiração ou delírio poético, segundo PLATÃO. Antes, o escritor talentoso, adaptando na obra as convenções correntes e seguindo caminhos batidos - agora, com espanto do leitor e quase susto, um valor peregrino, ímpar, alta literatura universal, fonte nas energias espirituais do autor, explosão de personalidade rica, explosão de um gênio. Por volta de 1880, novos olhos de MACHADO para o mundo e a vida, singular penetração das novas pupilas e bizarras refrações alcançadas - entendimento da aflição cósmica, metafísica, as lágrimas das coisas. A partir daí, a obra ganha amargor e pessimismo (ou ceticismo), caracterizando extraordinária acuidade da alma para a amargura das coisas, o gemido fundo: "lágrimas das coisas" para VIRGÍLIO, "desconcerto do mundo" para CAMÕES. Loucura e infidelidade serão os temas favoritos; o enredo de "Dom Casmurro" é Capitu, com seus olhos de ressaca, representação-encarnação-fragilidade geral da vida e do mundo - a pior espécie de malogro é destruir o passado, a eternidade da infância, negação da poesia da vida. -----MACHADO exprimiu a experiência profunda através do riso, do humor, da ironia. Estranha técnica de superação da dor dos personagens. CAMÕES e PESSOA passaram por experiências pessoais semelhantes e sentiram o trágico, o tragicômico da condição humana, mas - altos demais - não responderam aos desafios do mundo com as fórmulas modernas de "náusea" oi "absurdo", e sim com delírio, sandice, loucura poética. ----- O humorismo machadiano é uma espécie de lágrima que secou e virou cristal com centelha de riso, fingida estóica ou céptica indiferença acima do drama, algumas vezes o escrito, ardente abolicinista, sorrindo da escravidão. PESSOA cantou: "O poeta é um fingidor (...) deveras sente".

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FONTE:

Recorte não identificado, titulo "Apresentação".

F I M






 
Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 29/09/2018
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