ESTÓRIAS CARIOCAS ACRONOLÓGICAS - VI

ESTÓRIAS CARIOCAS ACRONOLÓGICAS - VI

Não só João... mas era do Rio - virou JOÃO DO RIO, pseudônimo mais constante. Outros "disfarces": Godofredo de Alencar, José Antônio José, Joe, Claude etc.. nada ou quase nada publicado sob seu próprio nome. ----- Pelo visto, nele o verdadeiro espírito carioca - irreverência, eterna jovialidade, gozação, por vezes rir de si mesmo... ----- Como em todos os centenários dos famosos, em 1981 devem ter feito exposição sobre a vida e a obra do escritor. Queridinho popular......... Seu enterro juntou boa parte da população carioca. Na época, cerca de 800 mil habitantes no Rio, a oitava parte saiu às ruas para acompanhar o féretro, sob grande comoção, tomando completamente e avenida Central (hoje Rio Branco) e as praias do Flamengo e de Botafogo, antes do cemitério São João Batista. ----- Nome verdadeiro JOÃO PAULO EMÍLIO CRISTÓVÃO DOS SANTOS COELHO BARRETO, nascido na rua Buenos Aires (ou largo da Carioca?), Leonino de 5 de agosto de 1881, por certo para ele nunca o folclórico mês de desgosto; de cachorro louco e agitador, pode ser. Projetou-se como JOÃO DO RIO - famoso, amado, invejado, daí bajulado e agredido, no mínimo verbalmente. Cronista ou colunista social, celebrizado no Brasil e em Portugal. Redator de jornais importantes: jornalismo aos 17 anos, entre 1898 e 1899, em "Cidade do Rio", combativo jornal de José do Patrocínio (o Tigre da Abolição), artigos numerosos sob o pseudônimo de Claude, truculento sem medo que hostilizava todo mundo, em estilo vivo, ágil, trepidante. (Tempo ainda sem blog demolidor...) Depois, reportagens na "Gazeta de Notícias" (dez anos de crônicas), em "O País" e "Rio-Jornal", novidade na época entrevistar escritores, tirá-los da 'torre de marfim'. Pesquisou (hummm...) religiões no Rio, fossem cultos tradicionais ou crenças. Fundou "A Pátria" que dirigiu até 23 de junho de 1921, quando - estressado, gordo, injuriado - faleceu subitamente num táxi. Renovador de reportagem, contista, cronista, teatrólogo /presidente da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais/, conferencista e academico aos 29 anos eleito na vaga de GUIMARÃES PASSOS (bem aceito aos chás!) - misto de ficção urbana e psicológica. Também tradutor, especialmente de OSCAR WILDE. Revolucionou a imprensa brasílica e jogou na pista a reportagem moderna: aspectos sociais e humanos da vida urbana, sem elite ou pedestal, e a crônica inovadora, diferente da escrita pelos tradicionais MACHADO e BILAC. Fascinado pelo submundo e pelos mistérios da noite, "imensa queixa dos infelizes de quem se apiedava (...) viveu, escreveu e morreu na rua carioca" (palavras de RIBEIRO COUTO, poeta e diplomata). Um "dândi", casaca vistosa, nas ricas festas e na badalada rua do Ouvidor: redações e confeitarias. Porém... sensível para o sofrimento das "classes menos favorecidas", de renda miserável ou nenhuma, injustiça social e miséria vigente nas ruas que ele sempre denunciou. Apoiou campanhas feministas, reformas penitenciárias, combateu a falsa e exolorada mendicância de menores nas ruas. Faria uma bela vereança. Em síntese, o cara foi in-co-mo-da-ti-vo! Apreciava altas rodas que alternava com gente humilde, seresteiro de morro, povão... Visitou a recente "Beagá' e fez uma crônica, assim como outra em 1916 quando o Flamengo inaugurou um campo na rua Paissandu. No jornal, vigoroso artigo de fundo, talentosa reportagem policial, pitoresco mundanismo da crônica. Psicologicamente, artista bizarro, atormentado, cintilante, admirável, paradoxal, voluptuoso, impulsivo, imagimativo, imprevisível......... enfim, dinâmico! Mesclava cultura e elegância com luxúrias, sensualidade e estilo de bizarrias inconfessáveis (naquele tempo, tá?). Sem censura ou toques psiquiátricos. Bah! Sofria (claro que revidava) muita ironia debochada (ou despeitada, invejosa?), muitos ataques e maledicência, e justamente circulou na cidade com a célebre dançarina ISADORA DUNCAN, em cores e ao vivo, ela no auge da fama quando esteve no Brasil em 1916 (deixou OSWALD DE ANDRADE apaixonado) - entre João e ela, um vago namoro... ou caso. Versão de que ela - liberta da dança clássica ortodoxa, recriadora dos clássicos gregos - dançara, túnica transparente de ninfa, quase nua nas Furnas da Tijuca, perto da Cascatinha, natureza mor, dança panteísta e noturnal, para ele, tradutor de "Salomé", de Oscar Wilde: ora, semelhante traje de dança para amigos íntimos nos intervalos dos grandes espetáculos mundiais, nas florestas oi diante do mar - não duvidem! Numa ceia trazida de um restaurante, regada a champanhe, na casa-biblioteca de João, entre o centro da cidade e o efervescente bairro da Lapa, em depoimento do grande amigo GILBERTO AMADO, apenas eles três, levíssima túnica escarlate... e por baixo mais nada!!! Ela, num francês gutural, voz de pura magia de timbre, Paulo misturando inglês, francês e português, incrível algaravia, alegres, parecia convívio desde pequenos. Depois disso é que partiram de carro e houve a tal cena sob o luar, bendita ninfa grega......... como delírio de iniciada nos mistérios pânicos. O autor sergipano conclui a narrativa: "Descemos ao amanhecer (...) mergulhados os três em grande sonolência, dançarina com os cabelos soltos no ombro do jornalista". Noite fantástica: João deve ter se sentido o próprio deus Dioniso, nos altos do Himeto, antea deusa Afrodite. ----- Obras mais destacadas: "Vida vertiginosa", livro - vida de vertigem-agitação-tumulto-glória num Rio que se modernizava, aberta a avenida Central e ruas próximas, tempo da Belle Époque... - a cidade era para ele cenário e assunto permanente, inclusive na literatura ficcional: retratos da época e da vida carioca, variando de ternura e da curiosidade à ironia e à indignação. // "A alma encantadora das ruas", livro - registro como boêmio e repórter. // "O bebê de tarlatana rosa", conto - humor negro. // Outros livros: "Dentro da noite", "A mulher e os espelhos", "Crônicas e frases de Godofredo Alencar", "Os dias passam", "As religiões no Rio" e "Rosário da ilusão" (neste, como primeiro conto a admirável sátira 'O homem da cabeça de papelão').

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LEIAM meus trabalhos "A literatura eterniza o homem" - I e II.

NOTAS DO AUTOR:

1-A par com LIMA BARRETO, o registro do Rio em rápida transformação. 2-Por sorte dois cineastas rstavam preparando um filme sobre João do Rio e em fevereiro de 2005 acharam numa feira de antiguidades um filminho de 12 minutos que comprovou a veracidade do apoteótico enterro.

FONTES:

"João do Rio", estudo de Danilo Gomes - BH, SLMG, ano XIV, n.770, 1981 e Revista Literária do Corpo Discente da UFMG, ano XVII, n.17, nov./82 // "Enterro que dá mais vida a um sonho" - Rio, jornal O GLOBO, 27/3/05.

F I M




 
Rubemar Alves
Enviado por Rubemar Alves em 29/09/2018
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