O som da insônia

Ela chegou hoje com uma cara… não sei nem descrever. Ficou quieta, poupou palavras, só falava quando lhe era requisitada. Logo percebi que algo estava estranho. Toda aquela eloquência, onde estava? A sua oratória de menina de ousada,parecia repousar. Dia comum.

Não. Não pra ela. Depois de uma noite mal dormida. Ouviu de longe, num recanto da sala em uma das minhas ida e vindas na hora do intervalo, enquanto ela rapidamente respondia a alguém.

Muito se passou pela cabeça na tentativa inútil de decifrar o motivo da insônia. Em vão mesmo, não foi insônia. Bem pior. Ela dormiu e acordou praticamente arrastada pelo barulho. A época é propícia, por certo o barulho de fanáticos eleitores fazendo uma algazarra ao som dos jingles candidatórios da política. Equívoco. Pouco se sabe dos seus novos vizinhos. Seriam eles os causadores da perturbação do sono da moça?

Não. Não fora nada disso. Tempo depois, ela sentou ao meu lado e foi dizendo, não dormi direito. E tudo foi se clareando, inclusive a minha imaginação. Enquanto a voz narrava, a cena aparecia. Não é que uma danadinha de uma muriçoca me acordou, ela fazia um ziiiimmmmm fora do sério, aí levantei, acendi a luz, e sai pelo quarto atrás dela, tentei matar com a mão, ela parecia mais uma lutadora de sumô, ia de um lado para o outro, parava numa parede e ZAP, mal eu chegava perto, ela voava pra outra, a batida só fazia minha mão doer.

Se seu marido acordasse, logo pensaria que ela dançava um axé, aê aê aê, ôôôô, com as mãos para o alto. Matou. Ela matou e voltou a deitar. Nem chegou a dormir e outro ziiiimmmmm lhe soou ao ouvido, novamente levantou e ligou a luz. Dessa vez, não era uma só, eram, duas, três, sei lá, não teve sossego. Ah, mas agora não iria pular, dançar, bater mão. Tinha pego uma toalha, meu Deus, branca, possivelmente ela tinha uma toalha de banho branca no quarto presa numa cadeira num cantinho. Fez um rolo, e bateu com ele pra lá e pra cá, as tinhosas voavam enganando-a. Sua estatura não ajudava muito, certamente não alcançaria o teto, e muriçoca gosta de pousar ali, acho que ficava lá em cima só olhando e zombando da inocente.

Por essa ela não esperava, o esforço foi maior, já se via pelas brechas da porta um pouco de claridade, terminou o serviço suada, assim mesmo deitou e pensou, agora eu durmo. E dormiu. Por apenas uns instantes. Nem relaxou, e ali no vago escuro que ainda restava dentro do quarto, seus olhos abriam e fechavam, como se pudesse fiscalizar a aparição daquelas minúsculas perturbadoras de sono.

E ziiiiiimmmmm. Pensou, isso vai ficar na lembrança, estou ainda ouvindo isso? Não!!! Botou o travesseiro envolta da cabeça e foi dormir. Não sabia ela que a muriçoca é revestida de ousadia e já chegou batendo continência. Ficaria lá, esperando o novo anoitecer.

Dia seguinte, ao vê-la, perguntei “ e aí, como foi?

Ionara Lima
Enviado por Ionara Lima em 28/09/2018
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