UM DIA DE CADA VEZ.
O primeiro dia,
Foi estranhamente horrível, de início, o medo, a incerteza corroendo por dentro e por fora. Meus olhos atentos observavam todo o movimento; funcionários entrando, sorrisos abertos, acenos, cumprimentos e apertos de mãos. Aquilo tudo para mim, era completamente estranho, me senti um peixe fora d'água como costumam dizer por aí. Tentei me acalmar, respirei fundo, mas o coração, parecia querer sair pela boca. Depois de alguns minutos, já no vestiário, coloquei o uniforme, todo branco, botas brancas e reluzentes, tudo tinha cheiro de novidade. A bela moça de sorriso bonito, lábios vermelhos intensos, conduziu-me naquele primeiro instante, levou-me ao local de trabalho, meu espírito, alma e coração desejava sair dali o quanto antes, porém, meu corpo e minha razão não obedeciam. Explicações, mais explicações, procedimentos e mais procedimentos, atento eu buscava absorver cada palavra, mas o coração, irredutível desejava fugir. Veio a prova de fogo, o primeiro cliente, o primeiro atendimento, as mãos estavam trêmulas, a voz quase não saiu, ao meu lado estava certo moço, responsável por mim, integrando-me aos processos e procedimentos desse meu novo trabalho. Veio o segundo cliente, a mesma sensação, a mente pareceu travar, veio o terceiro cliente, e a mesma sensação predominante. Depois de algumas horas de extremo suplício, naquele calvário mental, surgiu o intervalo de janta, uma hora e dez de descanso antes que o gongo toque outra vez. Não era cansaço que eu sentia, era medo mesmo, medo de tudo, medo de todos, quimeras do passado, e mesmo conhecendo o que fazer, mesmo sabendo como proceder, a tolice do medo cobrou o seu preço a esta alma aflita.
Segundo dia,
Um pouco mais solto, com o coração um pouco mais leve, somente um pouco, voltei ao local de trabalho. Dessa vez cheguei mais cedo, esperei calmante no amplo e espaçoso refeitório. Os meus pensamentos estavam tão distantes, que, nem mesmo eu atinei por onde ou em que lugar eles estavam. Tentei me acalmar, respirei fundo, o relógio na parede denunciava que a hora do suplício estava a caminho. Dessa vez caminhei sem acompanhante, meu agente integrador já estava no setor. Lá chegando, a mesma sensação de antes, porém, com um pouco mais de controle. Havia um mundo inteiro de clientes no balcão do açougue, aos meus olhos assustados parecia um mundo inteiro, quando na verdade, aos olhares de meus amigos, não era nem a metade de um fim de semana, ' comentário desanimador aquele' , contudo, o processo ritualístico de sempre, a mesma tentativa de controle mental, dessa vez, um pouco de sorte finalmente, um pouco mais de controle no decurso de demoradas horas.
Assim sendo, dia após dia, vou seguindo neste meu novo momento, neste novo desafio. O coração é teimoso, a alma medrosa, e a razão… Bom, essa é uma guerreira que em momento nenhum cedeu as teimosias do coração ou aos medos da alma. Espero, na verdade desejo ensandecidamente vencer todos os demais dias pela frente. Um dia de cada vez, passo à passo.