Na soleira dos meus medos
Minha voz interior tem osso, tem textura, tem alma, tem dono. Ela reina num chão que nem sempre cortejo, escancarando minhas portas para que se sinta em casa. É uma voz felpuda, íngreme, esfomeada. Ela desarma meus guetos, trazendo à tona infinitos frutos de certezas, todas elas. Pouco entendo dos seus porões, rebanhos e rebarbas. Pouco entendo dos seus lamentos, remelas e reinados. Ela reluz seus encantos quando me deixo morrer, entregando tantos afagos a quem se dispuser a aninhá-los. Minha voz interior solfeja açucarados degraus de ressentimento. É a caixa de correspondência preferida dos 7 mares, as mesmas que destroçam o viés do inimigo quando desponta, impávido, no suor do horizonte. É espada aflita buscando réstias de carne para estraçalhar num golpe só, que ninguém ousará deter. Tem rosto bem torneado, pele desembestada e cor do céu. Poucos serão dignos de tocar suas lânguidas remelas, enxames diuturnos de véus de Deus. Minha voz interior cambaleia na soleira dos medos, como vassalo doentio desprezando a mão que pretende arrancá-la do frio. Ela, então, numa palidez obtusa, virá à minha e pede perdão. Um perdão doído, maltratado, arremessado das fendas da fé com a bênção dos reis. Assim, escaldada nesse galope atônito, envolta numa chama estranha que deixo fugir de mim, vou à forra. E volto untado das cólicas desses urros horrendos da letargia, então encerro meus sonos. Convicto que deparei, nas encostas fadadas dos meus amanhãs, comigo mesmo.