USINA SANTA HELENA

Sair da zona rural de Calambau para procurar emprego em outros lugares na região, era comum aqui, principalmente nos meses de Junho, julho e agosto, época em que já havia terminada a colheita do milho, arroz e feijão, principalmente. Depois, só em setembro que começaria o preparo das terras para o novo plantio.

Naquele ano de 1950, foi o que aconteceu com um grupo de pessoas, mais ou menos umas dez, que foram trabalhar na usina Santa Helena em Vau-Açu, Ponte Nova. Neste grupo faziam parte o José Titino, os irmãos Raimundo e Francisco Correia, o Raimundo João (Deco Roberto), o José Carro, Antônio Crispim, Geraldo Lucas e outros.

O Geraldo Lucas, que só tinha 15 anos é que me contou como era a situação que enfrentavam.

Na primeira vez, em um sábado saíram do Quenta Sol às quatro horas da manhã. Cada um levava a sua trouxa com roupas, alimentos (arroz, feijão, rapadura, pó de café, fubá). Levavam também amarrada às costa uma esteira de taboa, que serviria de cama. Pelo meio dia chegaram à Guaraciaba, passando por Porto Firme e descendo o Rio Piranga. Em Guaraciaba arrancharam em uma casa abandonada que não tinha portas e pouco telhado. Ali esquentaram o feijão cozido que levavam, colocaram um pouco de farinha de milho e almoçaram. Após o almoço comeram um pedaço de rapadura. Resolveram ficar em Guaraciaba para na manhã do domingo, já descansados, seguirem viagem.

Assim fizeram. Chegaram a Vau-Açu na parte da tarde, quase anoitecendo. Lá chegando, procuraram o administrador da usina Santa Helena para serem admitidos. Foi mostrado para eles o local onde dormiriam. Era um galpão que não possuía camas, e sim umas tábuas onde estenderiam as esteiras que levaram, para nelas dormirem.

A comida seria feita por eles, em umas trempes de pedras ou então, quem preferisse, poderia compra-la de umas famílias que moravam nos arredores.

Na segunda-feira começou o batente. Às seis horas levantavam, tomavam um café requentado coado de véspera e iam para o canavial cortar a cana. Às dez horas iam almoçar, tinham meia hora para o almoço. Tomavam o café às catorze horas e trabalhavam até às seis. À noite era para um bate papo e tomar uma “branquinha” que levaram. E assim iam levando a vida, com muita saudade de casa.

Certa vez, para complementar a comida que era pouca, o Geraldo chupou muita cana, o que lhe deu um distúrbio intestinal violento. Tomou vários chás e nada de sarar. Foi ficando fraco e já não aguentava trabalhar. Foi então que o Zé Titino, seu companheiro do Quenta Sol, lhe disse: Amanhã vai uma turma de Porto Firme embora, você poderia ir com eles, porque ficar aqui sem trabalhar não vai dar certo. O Geraldo aceitou o conselho.

Na manhã seguinte, ele levantou cedo, uniu-se à turma de Porto Firme e seguiu viagem. Passaram por Guaraciaba e quando estavam na zona rural de Posses (entre Porto Firme Guaraciaba) a turma explicou ao Geraldo como ele deveria fazer para chegar a Porto Firme. Alguns o aconselharam a passar a noite com eles, pois devido ao seu estado de fraqueza não seria bom viajar sozinho. Ele agradeceu e seguiu viagem. Já era noite e o Geraldo passando próximo ao terreiro de uma casa perguntou ao dono se Porto Firme estava longe. Você errou a estrada, por aqui você está indo para Vinte Alqueires. Volta o nosso personagem a seguir o caminho orientado pelo informante. Já era quase meia-noite quando ele avistou Porto Firme. Ainda existia um bar aberto. Foi a sorte do Geraldo, pois já estava com muita sede e fome. Tomou água, comprou um pão velho e seguiu viagem. De Porto Firme foi para Barbosa, de lá para o Paredão, Santana, e quando o dia estava amanhecendo chegou a sua casa no Quenta Sol. Aí ele tomou um bom café. Lavou os pés e caiu na cama, pois já estava quase desmaiando de sono e cansaço. Na manhã seguinte tomou um bom prato de mingau de fubá, começou a tomar um chá preparado pela sua mãe e partiu para a sua recuperação.

O Geraldo, por volta de 1955 ainda voltou a Ponte Nova, com uma turma maior, dirigida pelo Sr. José do Carmo Correia. Nesta época a turma tinha um tratamento melhor por parte da usina, pois o Zé do Carmo era o seu porta voz e as suas reinvindicações eram aceitas pelos patrões.

O pessoal quando vinha de Ponte Nova, trazia dinheiro para pagar as contas no comércio de Calambau e aos fazendeiros que com eles plantavam e que forneciam aos seus familiares.

quando eles estavam em Ponte Nova. Este fornecimento geralmente era: fubá, feijão, rapadura, e algum dinheiro para as necessidades urgentes.

Este testemunho do Geraldo serve para nos mostrar o quanto era dura a vida na roça, quando não havia serviço para todos. A partir de 1956, uma boa parte da turma da região do Baía, Quenta Sol e Cachoeira do Jurumirim, era absolvida na Fazenda Baía, de meu pai José Quintão Carneiro (José Carneiro), plantando cana, cultivando e colhendo, para a sua fábrica de cachaça, plantando milho, feijão e arroz como meeiros, Havia época em que trabalhavam na fazenda cerca de quarenta pessoas, inclusive algumas mulheres.

Na fazenda do Sr. Antônio Custódio, no Quenta Sol, também trabalhavam junto à mão de obra familiar algumas outras pessoas da região.

Fica aqui registrado, neste relato, um aspecto da vida rural, que muitos desconhecem, principalmente os jovens, e que foi vivido pela nossa gente.

Nota: A Usina Santa Helena foi instalada em 1940.No século XIX e início do século XX, com as outras usinas existentes, Ponte Nova tornou-se o maior centro açucareiro de Minas Gerais ( Fonte Wikipédia)

Calambau, 21 de setembro de 2018

Murilo Vidigal Carneiro

murilo de calambau
Enviado por murilo de calambau em 23/09/2018
Reeditado em 28/04/2021
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