Estamos perdidos

Antigamente as redações de jornais e revistas tinham duas coisas predominantes: cheiro de cigarro e o teclar alucinado das máquinas de escrever. Veio a lei para banir fumantes da maioria dos ambientes sociais e o odor nicotiniano foi embora. Vieram os computadores e adeus tec-tec-tec. Achou que acabaram as mudanças? Errou. Com o avanço a cada milésimo de segundo da tecnologia e o desenvolvimento exponencial da Inteligência Artificial, os jornalistas também estão fadados a virar saudosa memória. Porque um computador vai ser capaz de construir belos textos nos mais diversos estilos só apertando o Enter. Ele vai buscar em todo o Google (entendeu bem? Todo!) as informações que forem necessárias, nos mais inusitados idiomas, desde o primeiro respiro de Adão até esse momento, e terá um manancial de dados que nenhuma cabeça, por mais einsteiniana que seja, teria acesso. E vai fazer sinapses numa velocidade um milhão de vezes mais rápida que a da luz para obter uma síntese tão rica, precisa e atualizada que transformar isso num texto brilhante será sopa no mel. Em 1/10 de segundo ficará pronta a matéria, sem erros de grafia, sintaxe, concordância, simplesmente perfeito. O texto já sairá diagramado, com belas imagens devidamente legendadas, sendo publicado em todas as mídias existentes e até naquelas que acabaram de ser inventadas. Jornalistas, escritores, poetas, novelistas, dramaturgos, roteiristas e demais gentes que ganham o seu pão diário (como eu) brincando com as palavras, estarão ferrados. O mesmo rolo compressor infalível que vai dizimando tudo pela frente, vai detonar médicos, professores, dentistas, veterinários, vendedores, açougueiros, apresentadores de TV, astrólogos, psicólogos, massagistas, motoristas, pedreiros, advogados, engenheiros, juízes, contadores, traficantes, enfermeiros, pilotos, pintores, padres, pastores, missionários, operadores de guindaste, pais de santo, rabinos, faroleiros, limpadores de fossa, músicos, prostitutas, doleiros, políticos, atletas, pilotos, policiais, lixeiros, cozinheiros, gestores, cientistas, encanadores, agricultores, enfim, todas as profissões, cada uma a seu tempo. Não vai sobrar nenhuma. Essa ideia parece maluca, absurdamente fora da realidade, delírio na sua mais liberta vazão. Nada disso. As coisas estão caminhando para que nós, feitos à imagem e semelhança de Deus, viremos algo supérfluo, passível de uma substituição infinitas vezes melhor e mais eficiente do que o original. Imagino que Ele vendo tudo isso acontecendo deve pensar que, mais dia, menos dia, também será surpreendido com a constatação de que está superado. Quando isso acontecer, só lhe restará a alternativa de ir embora de vez. E com os olhos cheio de lágrimas, abandonando tudo para trás, pra nunca mais voltar.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 23/09/2018
Reeditado em 24/09/2018
Código do texto: T6457003
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