Sovrana di Grazie, Madre mia...

E eu vi a Santa. Informado de seu paradeiro havia umas poucas horas, fui atrás, com um misto de curiosidade e, por quê não diria, e outro tanto de iconofilia. Seu refúgio temporário, e derradeiro, antes de sua ida definitiva para o Museu Histórico de Pitangui, só não contarei aqui para evitar um afluxo de devotos intempestivo que poderia trazer dificuldades à sua zelosa guardiã.

Como sabeis, a referida Santa é sobrevivente de dois pavorosos incêndios, o que por si só é tido por muitos como um duplo milagre. No primeiro caso, o do incêndio da decantada matriz de Pitangui, em janeiro de 1914, foi ela resgatada do meio das labaredas pelo jovem Agenor Cançado, que por uma quase icônica coincidência dá hoje nome à rua onde há seis décadas exatas instalamos-nos, em duas casas, todo o clâ Miranda que se mudara "en masse", do povoado do Brumado para esta Velha Serrana. À época, em 1958, a proeza do Dr Nonô Cançado já era cantada em verso e prosa pelos seus conterrâneos e admiradores não só por sua bravura em enfrentar as chamas, como para si só chamar a responsabilidade de resgatar, num providencial arroubo, uma imagem maciça de umas estimadas cinco a seis arrobas.

O segundo acidente a que a Santa sobreviveu incólume foi bem mais recente, eu próprio vi da janela do quarto de mamãe as línguas de fogo que consumiram criminosamente a agência do Banco do Brasil numa madrugada de 2016, creio, em meio ao insano tiroteio dos perpetradores

do assalto. O referido prédio abrigava, em seu andar superior - em caráter temporário, que ia se perenizando enquanto não saía a restauração do antigo casarão da Praça da Matriz e que há de ser sua sede definitiva - agora com inauguração para bem breve.

E a Santa que encontrei, ou revi - pois ela ocupava um dos altares laterais da Matriz nova, antes de uma reforma dos anos sessenta que além de física, obedeceu também a diretrizes do II Concílio do Vaticano relacionadas à redução de imagens e de altares laterais nas igrejas, justamente para facilitar a concentração dos fiéis nos altares centrais...assim interpreto, laicamente - pois bem, a Santa que vi, com seu metro e trinta de altura, enche os olhos pela sua esplendorosa graça.

Carinhosamente chamada por muitos de a Dodô, representa Nossa Senhora das Dores, e embora seu olhar, sua expressão facial e corporal, denotem mansidão em meio à tristeza, não deixam de chamar atenção as suas extremidades digitais, artisticamente acabadas, a ponto de estimular fetiches que muitos teimam em ver como profanidade, quando sacros são em sua pura integralidade.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 22/09/2018
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