ARETHA, O FURACÃO

(Da série Grandes Mulheres)

Nesta noite menos fria de Curitiba, rabisco a lápis algumas ideias em caderno antigo, gosto deste meu exercício-mania. Desde menina, coleciono objetos, junto coisinhas daqui, dali e de acolá. Quando adolescente, forrei as paredes do meu quarto com fotos de artistas, eram pôsteres publicados pelas revistas Contigo e Revista do Rádio. Esperar por eles era um sonho.

Consegui grudar a Jovem-Guarda quase toda em minhas paredes. O calhambeque com Roberto Carlos e sua patota era uma brasa, mora! Minha mãe não se alegrava muito, dizia que aquilo servia para juntar baratas ... Bem que eu me apavorava, quando acordava com uns tsc tsc...

Havia, naquele painel, uma foto de Aretha Franklin. Eu a recortara de uma reportagem em que a mostrava como a primeira mulher afrodescendente a estampar a capa da revista Time. Corria o ano de 1968. Ela, a rainha do soul, Aretha Louise Franklin, filha do Reverendo Franklin, pai pastor e intransigente. Ambos ativistas dos direitos civis dos descendentes africanos na America do Norte.

Não me lembro dos detalhes da matéria, sei apenas que fiquei impressionada com o que li a respeito da cantora, a quem chamavam de “Diva do Soul”. Empurrada pela lembrança, saí à cata de leituras sobre a voz que se calou neste ano de 2018.

Não foi por acaso que me apaixonei por aquela voz. Cantora insuperável de registro vocal característico, cuja voz foi declarada patrimônio nacional nos Estados Unidos da América, cantou destemida para plateias diversas, para reis e plebe, para Obama e família, para os confins do mundo. Sim, digo destemida, a despeito de sua profunda timidez e do medo que nutria em seu ser, quando recolhida no lar. Medo das pessoas. Porém, crescia no palco, transformava-se em leoa e dominava homens e mulheres. Tanto ela dominou, que seu nome virou asteroide.

Em virtude de sério drama pessoal, escondia-se atrás de silêncios e fugas, e estes a levavam à perda de gravações. Gênio da música, ela recusou muitos shows e turnês, por imensurável medo de avião. Por timidez, não aceitou roteiros de filmes.

Abandonada pela mãe aos seis anos de idade, teve o primeiro dos quatro filhos aos quinze. De cantora gospel da igreja presidida por seu pai, descobriu-se com potencial extremo de voz e não permitiu ser dominada.

Defendia seus semelhantes e a si mesma. Com menos de 18 anos, trocou o evangelismo pelos palcos. Sofreu demasiadamente e ao completar maioridade, já havia vivido mais do que pessoas de longa vida.

Era fênix. Num repente, transmutava-se de criança indefesa a mulher forte e fogosa, dava o melhor de sua essência. Introvertida, quando no palco transformava-se em furacão. Por isso, era também chamada de “O Furacão Aretha” e considerada a diva de todas as divas.

Escrevo sobre a cantora que me encantou na juventude. O lápis (já gasto) precisa de um apontador. Enquanto afino o grafite, penso nos dois gramofones de ouro amealhados por Aretha numa mesma noite, primeira cantora negra a conseguir tal feito.

A dona de voz vasta e avassaladora era madrinha de Whitney Houston. Era Rainha do Soul e R&B (rythm and blue) um subgênero contemporâneo com influências do soul, funk e hip hop. Ela cantou e encantou. Foi desbravadora... primeira, primeira, primeira, primeira.

Tinha o máximo e pretendia o mínimo, sua maior ambição era ser amada por seu homem, junto aos filhos. Porém, tornou-se profissional milionária, consagrou-se com o título de maior cantora de todos os tempos, o qual fora outorgado pela revista RollingStone, especialista em música.

Com sapatos vermelhos de saltos finos e altos, foi velada em caixão de ouro a grande mulher, cuja voz venceu difíceis turbulências, lutando com íntimas barreiras e com desumanidades de seu tempo. Nada a derrubou. Vitoriosa, Lady Soul foi cantar com os anjos.

(Ia me esquecendo de dizer que meu apontador de lápis é réplica de um gramofone, outra mania que tenho: colecionar réplicas de objetos antigos).

Devolvo meu apontador-gramofone ao estojo, pensando nos gramofones de ouro de Aretha. O que me encanta neles não é o ouro, mas o que eles representam na história de uma grande e poderosa mulher.

Acabaram-se os medos de Aretha, O Furacão.

Dalva Molina Mansano

Fontes:

Discografia de Aretha Franklin,

Revista Rolling Stone

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Dalva Molina Mansano
Enviado por Dalva Molina Mansano em 21/09/2018
Código do texto: T6455784
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