Dois maranhenses e o sabiá 

     1. A  feira das Sete Portas  é a segunda feira livre mais importante de Salvador.  A primeira é a feira de Água de Meninos, na cidade baixa. Espalhadas pelos bairros, há outras feiras, porém, de menor porte e pouca tradição. 
     2. Quer comprar uma farinha boa, um feijão sem gorgulho, uma fruta doce, um coalho enxuto, legume novinho, azeite de dendê legítimo, vá a uma dessas duas tradicionais feiras poupulares da capital baiana.
     3. Quer comprar um passarinho "pronto", cantador, sadío - galo de campina, coleirinha, graúna, sofreu, patativa, canários da terra e belgas - vá a uma dessas duas feiras soteropolitanas.
     4. No tempo em que eu criava passarim, os hospedes de minhas gaiolas - e eram muitas - vinham todos, por opção, da feira das Sete Portas.      Seu Joaquim, um alagoano alegre, criador de todos os tipos de aves, me avisava quando "novos bichinhos de asas" chegavam na "Casa dos pássaros", de sua propriedade.     
      5.  Na "Casa dos pássaros", antes de ser proibido, comprei canoros curiós, que alegravam minhas horas.      Ao seu Joaquim comprei, também, muitas patativas (papo amarelo), vindas de Minas Gerais; segundo ele, as melhores patativas do mundo. 
     6. Foi na feira das Sete Portas, na "Casa dos pássaros", que comprei um sonoroso sabiá laranjeira. Lindo, ele parecia trazer na garganta um flauta doce, afinada pelas mãos de Deus. Chamei-o de Seresteiro. Morou comigo, até o dia em que encontrou a porta da gaiola aberta. Voou, rumo ao infinito... Que saudade dele!
     7. O meu sabiá levou-me a escrever esta croniqueta, com a ajuda de dois ilustres maranhenses que, também, cantaram essa ave símbolo: Gonçalves Dias (1823-1864) e Catulo da Paixão Cearense (1863-1946). 
     8. Antônio Gonçalves Dias, nascido em Caxias do Maranhão, e Catulo, na capital desse valoroso Estado, São Luís. Gonçalves Dias, no poema "Canção do Exílio"; e Catulo, no poema "Um boêmio no Céu", ajudado pelo  poeta de "Juca Pirama". 
     9.  O sabiá, "símbolo representativo da fauna ornitológica brasileira", está, de acordo com os conhecedores da sua obra, no melhor poema de Gonçalves Dias, "Canção do Exílio", escrito em Portugal. - "Minha terra tem palmeiras/ onde canta o sabiá/ as aves que aqui gorjeiam/ não gorjeiam como lá".
     10. O sabiá de Gonçalves Dias está em "Um boêmio no Céu", de Catulo da Paixão Cearense. O autor de "Luar do sertão" trava com São Pedro, "no Céu", um diálogo que dá destaque a esse soberbo passarim que enche do melhor gorjeiam as matas do Brasil. Vejamos.
     11. "São Pedro: Em que país do mundo tu nasceste/ com teu estro bravio e senhoril?
          Boêmio: Num paraíso explêndido: - Brasil!
          São Pedro: Qual o teu Estado, o teu torrão?
          Boêmio: O Estado do Talento: - o Maranhão!/ E o Maranhão, senhor, tem muitas coisas,/ que o céu não tem e nem talvez terá.
          São Pedro: Aponte-me uma só e bastará!
          Boêmio: "Minha terra tem palmeiras,/ onde canta o sabiá".
          São Pedro (sorrindo): Aqui, no céu, há pássaros divinos/ que o Brasil não ouviu nem ouvirá!
          Boêmio: "As aves que aqui gorjeiam,/ não gorjeiam como lá!"
          E prossegu o diálogo versificado entre Simão Pedro e Catulo, o Boêmio. 
     12. O sabía está nos versos de muitos poetas  famosos como Carlos Drummond e Patativa do Assaré; e até num gostoso baião de Luiz Gonzaga. 
     E aqui, este cearense passarinheiro aposentado pede licença para homenagear seu sabiá... Que, se não morreu, voa por aí, asas libertas, mas se lembrando das mangas doces e laranjas maduras que lhe dei, em manhãs felizes, ouvindo o seu choroso canto.
     Voa, voa, meu sabiá seresteiro...
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 21/09/2018
Reeditado em 27/11/2018
Código do texto: T6455538
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