Insultaram o Poetinha




           "O fato aconteceu/ Nos últimos dias de agosto./ A estátua de Vinicius/ Teve arrancado o encosto/ Que compunha sua cadeira./ Tive lá na quarta-feira/ Do réu não se viu o rosto."
                                               Zezão Castro



                Salvador, no saudável propósito  de homenagear Vinicius de Moraes, ergueu, no coração de Itapuã, uma estátua do Poetinha.  Os baianos acompanharam os cariocas, que fizeram o mesmo com Carlos Drummond; e os mineiros, com Otto Lara Rezende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Hélio Pelegrino e Pedro Nava.
               A estátua de Drummond está  na praia de Copacabana, ou mais precisamente, no Posto 6. E as estátuas dos cinco escritores mineiros, nas praças de Belo Horizonte. Quando, no início deste ano, visitei BH, fiz questão de ser fotografado ao lado de cada uma delas.
               Vou repetir, como dizia o imortal Nelson Rodrigues, o "obvio ululante": ninguém ergue, em praça pública, a estátua de um calhorda; ninguém rende homenagem a um canalha colocando seu busto num logradouro público;  ninguém põe, num largo ou em uma avenida, a imagem de um capadócio. 
               Pode até ocorrer, mas a homenagem se constituirá na consagração de um equívoco.
A rigor, só tem direito a esse tipo de cortesia póstuma quem, de fato, contribuiu positivamente - eu disse positivamente - para escrever a história da sua cidade, do seu Estado, do seu País. E aí devem ser reverenciados poetas, escritores, historiadores, benfeitores e até políticos.
                Fico indignado quando vejo uma estátua, seja lá de quem for, depredada, esculhambada, menosprezada, desrespeitada, mutilada, profanada.
E foi o que aconteceu com a estátua do Poetinha, em Salvador. Não lhe danificaram, apenas, o encosto da sua cadeira. Como denuncia Zezão,   "Outro item da estátua/ Foi também vandalizado/ Os óculos que ali havia/ Dali foram arrancados...".
                No Rio de Janeiro, Drummond está num banquinho de praia, pernas cruzadas, pensativo, olhando pra sua querida Copacabana; em Salvador, Vinicius pode ainda  ser visto  numa mesinha, tomando uma cachaça de rosca, e olhando pro mar de Itapuã, que ele cantou em versos maraviosos. 
               Será que os salvadorenses permitiriam que vândalos desrespeitassem, por exemplo, os Orixás que embelezam as águas do dique do Tororó, um parque aquático da cidade?  Ou a sereia colocada por pescadores, na praia de Itapuã, para lembrar Iemanjá? Creio que não.
               Num desses carnavais exagerados de Salvador, foliões irreverentes puseram um abadá colorido na estátua  de Castro Alves, lá no Centro Histórico. O bom senso prevaleceu, e o poeta dos escravos, felizmente, não voltou a ser profanado.
                Peço aos inconoclasta de Salvador, que, por favor, parem de insultar a memória do Poetinha, embodegando sua estátua que só engraça a cativante Itapuã. Se não sabem, Vinícius de Moraes, como Dorival Caymmi, também saiu pelo mundo afora, cantando a velha Bahia.
               Imagine, meu educado leitor, o que aconteceria em Salzburgh, se alguém ousasse arrancar um pedaço da estátua de Mozart; ou em Lisboa, se um peralta qualquer invadisse o Chiado e mutilasse a estátua do nosso querido Fernando Pessoa. Pagariam caro pelo desvairado ato...

 
 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 09/09/2007
Reeditado em 15/10/2020
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