Foz do Iguaçu, Pitangui e o caminho de Pontevedra
Marcel Proust, ao saborear uma madeleine, bolinho em forma de concha, e uma xícara de chá, foi catapultado ao passado e escreveu as milhares de páginas de “Em Busca do Tempo Perdido”. Uma matéria no jornal Gazeta Diário, de Foz do Iguaçu, edição do fim de semana de 14-15/09 deste ano de 2018, me fez mergulhar também no passado. A matéria trata do Encontro de Cidades Termais, parte da 18º edição da Feira de Turismo Termal, de Saúde e Bem-Estar, que atende pelo nome de Termatalia.
Pois bem, a esse encontro compareceu o prefeito da cidade de Pontevedra, Galícia, Espanha, para falar da experiência de ter transformado a cidade numa “cidade para humanos”. De repente, me vi na escola primária, em Pitangui, MG, lá pelos idos de 1958 ou 59, observando um menino de circo que estudou em nossa sala de aulas por algumas semanas, enquanto o circo se apresentava na cidade. Era magro e alto, vestia-se modestamente e usava alpargatas. Falava pouco e, quando falava, eu queria que até o ar parasse de circular para não atrapalhar o enlevo de ouvir alguém falando em outro idioma. O outro idioma, com certeza, era o galego, não tão diferente do nosso português do interior mineiro, mas era outro idioma, o idioma de um menino de circo, um espanhol de Pontevedra.
Um salto mais adiante nesse mergulho, me coloca naquele antigo Maracanã, maior que coração de mãe, que recebeu quase 195 mil espectadores, dos quais 177 mil pagantes e dá-lhe carteirada! Foi no dia 15/12/1963. O jogo era um Fla x Flu, decisão do campeonato carioca daquele ano, que terminou 0x0, resultado que deu o título ao Flamengo e consagrou Marcial de Melo Castro como um arqueiro excepcional e muito sortudo. Mas isso é tema para outra crônica.
Naquele 15/12/1963, o Flamengo tinha em suas fileiras um ponta-direita liso, um espanhol que se chamava... Espanhol. Bom, o nome de pia era José Armando Ufarte Ventoso, mas quem o conhecia assim eram apenas os cartolas e empresários que negociavam os passes de jogadores naquele tempo. A legião de fãs era só pelo apelido esportivo mesmo. E adivinhem de onde vinha o endiabrado Espanhol que, se não fosse estrangeiro, poderia ter chegado facilmente à seleção brasileira? Pois ele era, adivinhem, também de Pontevedra. Na certa, nunca chegou a assistir a algum espetáculo do modesto circo do menino compatriota, cujo nome não cheguei a guardar. Acho que vem daí a minha simpatia pela Galícia, que me levou, anos depois, a fundar um “clube” (para nós era um clube) que se chamou, pomposamente, Sociedade Esportiva Galícia, de breve duração. E levou-me a acreditar piamente, sem nenhum embasamento documental, que a família Santiago vem da Galícia, só por ali estar a famosa Santiago de Compostela.
Está bem, é hora de arrematar e costurar essa colcha de retalhos. Pois bem: Espanhol, o liso ponta-direita, o menino do circo e o prefeito de Pontevedra vão se encontrar em Foz do Iguaçu, que, segundo seu prefeito Chico Brasileiro, assumiu compromisso de tornar-se uma cidade sustentável. Este foi o caminho seguido por Pontevedra, que se tornou conhecida como uma cidade para as pessoas, bicicletas e não somente carros. Miguel Anxo Fernandes Lores, o prefeito de Pontevedra conta que os obstáculos foram imensos, mas o mais difícil já foi feito, porque as pessoas hoje acreditam no projeto.
Ciente disso, lembrei-me também das ideias que ventilamos no tempo do jornal Correio de Pitanguy, de minha terra natal, na década de 1980, onde propúnhamos fechar ruas para veículos, reduzir o número de carros circulando e incentivar a arborização racional. As matérias não conseguiram movimentar a comunidade na época, mas hoje acredito que encontrariam algum respaldo. Questão de experimentar. Já Foz do Iguaçu, vocacionada desde o sempre para o turismo, tem tudo para seguir o caminho de Pontevedra. Esta, apesar de sua antiguidade, conseguiu acompanhar airosamente a modernidade humanizadora de muitas cidades no mundo.