Relato de um atendimento previdenciário em uma comunidade ribeirinha no interior do Amazonas
Hoje, vi a esperança brilhando nos olhos de um senhor.
O sorriso tímido de quem parecia esperar há muito tempo por esse momento me tocou de uma forma que consegui ver. Não apenas ver, mas notar.
Na minha frente não estava um número, um processo ou um segurado. Era uma vida, uma vida de trabalho. E se eu não tivesse olhos largos ou se tivesse olhado apressadamente talvez não tivesse conseguido, mas eu consegui, eu vi, eu notei. Mais do que isso, eu enxerguei.
Eu enxerguei o barro nas unhas dos dedos calejados por uma vida sofrida na roça.
Eu enxerguei o sorriso em uma vida de ausências e a educação em alguém que só teve a enxada como opção. Hoje, eu enxerguei além dos olhos.
Eu enxerguei por meio dos calos que o trabalho rural fez, quando apertei as suas mãos.
Eu enxerguei pelo cheiro não muito agradável que ele exalava, as gotas de suor e as lágrimas já derramadas.
Eu enxerguei. Estava ali na minha frente, vestindo a sua melhor roupa.
Poderia ter sido só mais um, mas não foi, pois eu enxerguei.
Eu enxerguei o motivo em forma de gente que fez com que eu viajasse para longe dos meus entes queridos. Que fez eu vir para um lugar no meio do "nada", pois, apesar de o lugar ser no meio do "nada", cabe tudo. Cabe a vida de seu João, o seu trabalho, as suas dores, os seus sonhos... E apesar de ser meio pequeno, coube algo que pude proporcionar - a sua aposentadoria, que não foi nenhum favor, caridade ou presente, mas apenas o reconhecimento de uma vida inteira de trabalho duro.
Então, de tanto olhá-lo, consegui também me enxergar.
Eu enxerguei o quão privilegiada eu sou de ter tido o prazer de atendê-lo e o prazer de ver, notar e enxergar...