"Vou fazer setenta anos no mês que vem. Quando a Revolução de 1964 irrompeu no país e implantou o regime militar eu ia fazer vinte. Militava em um sindicato, sem saber muito por que participava de toda aquela baderna. Mas tinha uma grande sensação de autoestima, por pensar que estava sendo protagonista de alguma coisa. Os militares vieram e acabaram com a festa metendo na cadeia muitos dos meus líderes e até alguns dos meus companheiros. Eu não fui incomodado porque larguei a militância antes de ser fichado. Mas sei o que significa um regime de excessão porque passei toda a minha juventude e parte da minha vida adulta vendo e sentindo o que a falta de liberdade politica pode fazer a um povo e a um país. Essa juventude que está indo ás ruas pedir a volta dos militares não sabe, nem de longe, o que está fazendo. Na época, em 1964, uma intervenção militar até que poderia ser justificada. O país, depois da renúncia de Jânio Quadros e a ascensão de Jango á presidência tinha virado uma bagunça sem tamanho. Não havia instituições seguras e pilares sociais e políticos nos quais a estrutura do país pudesse se amparar. Essas instituições já vinham sendo minadas desde os tempos de Getúlio Vargas, quando um modelo de Estado opressivo foi imposto á força das armas e depois sustentado por conchavos políticos de oligarquias que se encastelaram no poder. O regime militar poderia ter mudado o sistema político do país, mas não o fez. Até porque a maioria dos generais e coronéis que o sustentaram eram oriundos dessas mesmas oligarquias, cujo maior medo sempre foi uma vitória das esquerdas, mas não deixam de flertar com elas quando se torna necessário. Dá para entender um Sarney, um Renan Calheiros, um Collor de Mello na base aliada do PT, por exemplo? Que diabo de promiscuidade política é essa, afinal? Não há nenhum mal no fato de a Dilma e o PT terem vencido as eleições, nem se deve colocar qualquer senão no resultado que elas apresentaram. A tese de uma suposta manipulação do resultado parece choro de torcedor de time derrotado. O culpado é sempre o juiz, que marcou um pênalti errado ou deixou de apitar impedimento no gol do adversário. Bobagem. O jogo democrático comporta vitórias e derrotas. Dilma ganhou porque seu partido soube explorar melhor o capital eleitoral que o PT construiu entre as classes menos favorecidas do país. Ninguém pode negar que os programas sociais que vem sendo desenvolvidos desde que o PT assumiu o poder melhoraram a vida dessas pessoas. Se essa melhoria é autossustentável é outra coisa. Se vai, efetivamente, contribuir para uma definitiva erradicação da pobreza, é outra coisa que ainda precisa ser provada. Pessoalmente eu tenho algumas dúvidas a esse respeito, pois ainda acho que a ascensão social e econômica é uma conquista pessoal, que se alcança com atitudes, estudando, trabalhando, suando a camisa e não com o auxilio de cotas raciais, bolsas-familia e outras benesses do tipo. Na verdade, há uma coisa que me preocupa mais em tudo isso. É a aparência que o PT vem apresentando desde que assumiu o poder. Seus líderes, a começar pelo Lula, vêm se comportando exatamente igual aos políticos que eles tanto criticaram quando ainda eram oposição. Assumiram o lugar dos antigos coronéis e estão agindo tal e qual os próprios. Criando currais eleitorais por conta das benesses concedidas pelo governo. Esse é o grande perigo que está embutido nesse sistema: povo encurralado não precisa de educação, nem de liberdade, nem de autodeterminação. Só de comida. Tudo isso lembra o Jorge Amado, que por sinal, andou levando umas ferradas durante o Estado Novo por causa da sua simpatia para com os comunistas. Um de seus mais interessantes personagens, o Coronel Ramiro Bastos, de Gabriela, Cravo e Canela, ao perder o comando político de Ilhéus para o jovem adversário Mundinho Falcão, disse algo mais ou menos assim para ele: “ no fundo, você só quer é o poder que eu tenho; você quer é ser como eu.” Essa mesma situação foi magistralmente trabalhada por George Orwel em seu clássico conto “ A Revolução dos Bichos”. Os porcos, depois de liderarem a revolução que apeou do poder os homens, em pouco tempo começaram a agir como humanos. E logo também estavam se parecendo, até fisicamente, com eles. Usando gravatas, andando eretos e fumando charutos Havana. Aqui, qualquer semelhança não terá sido mera coincidência.Ou terá? Chega de revoluções absolutamente inúteis e que só servem para trocar de inquilinos nos palácios. Mudanças efetivas e duradouras só acontecem quando a própria consciência do ser se modifica. E isso só com educação e participação consciente nos processos que a produzem. Espero que não seja só trocar de lugar com os coronéis que os petistas querem. Que a revolução que representou a sua subida ao poder não se transforme em uma “Revolução dos Bichos”, fazendo do Brasil uma “Animal Farm”, igual á que Fidel fez em Cuba ou os chavistas estão fazendo na Venezuela. Com a cara daqueles a quem tanto combateram eles já estão. Mas ainda é tempo de mudar."
Escrevi o texto acima há quatro anos atrás, por ocasião da eleição da Dilma. Tenho 74 anos agora. O Maduro consome na Turquia uma refeição de 500 dólares enquanto milhares de venezuelanos morrem de fome e imigram para viver como mendicantes nos países vizinhos. Metade dos eleitores brasileiros sonham com um regime de força que acabe com a bandalheira que se instalou no páis. A outra metade não vê o que acontece na Venezuela, Nicaragua e outros países e continua a sonhar com o bolivarianismo irresponsável das esquerdas. Será que o Garcia Marques tinha razão? A América Latina está mesmo condenada a patinar eternamente no sonho de uma utopia ilusória, que vai e volta, só muda de roupa e retorna ao palco para continuar a enganar a platéia? Quantas revoluções inúteis e quantos Aurelianos Buendias (o personagem central do romance Cem Anos de Solidão) serão necessários para o povo latino-americano entender que não é de caudilhos, nem de falsos Messias que precisamos para criar um mundo real, onde a esperança de uma vida digna seja uma realidade e não uma falsa promessa sediçamente repetida em época de eleições? As eleições de 2018 vão repetir exatamente o que aconteceu em 1990, quando sobraram Collor de Mello e Lula para o segundo turno. Dois vigaristas sedutores que polarizaram o debate ideológico que levou o país a este buraco em que estamos. Quem não aprende com a História está condenada a revivê-la. Resta saber até que limite o elástico pode ser esticado para suportar tantas experiências mal sucedidas.
Escrevi o texto acima há quatro anos atrás, por ocasião da eleição da Dilma. Tenho 74 anos agora. O Maduro consome na Turquia uma refeição de 500 dólares enquanto milhares de venezuelanos morrem de fome e imigram para viver como mendicantes nos países vizinhos. Metade dos eleitores brasileiros sonham com um regime de força que acabe com a bandalheira que se instalou no páis. A outra metade não vê o que acontece na Venezuela, Nicaragua e outros países e continua a sonhar com o bolivarianismo irresponsável das esquerdas. Será que o Garcia Marques tinha razão? A América Latina está mesmo condenada a patinar eternamente no sonho de uma utopia ilusória, que vai e volta, só muda de roupa e retorna ao palco para continuar a enganar a platéia? Quantas revoluções inúteis e quantos Aurelianos Buendias (o personagem central do romance Cem Anos de Solidão) serão necessários para o povo latino-americano entender que não é de caudilhos, nem de falsos Messias que precisamos para criar um mundo real, onde a esperança de uma vida digna seja uma realidade e não uma falsa promessa sediçamente repetida em época de eleições? As eleições de 2018 vão repetir exatamente o que aconteceu em 1990, quando sobraram Collor de Mello e Lula para o segundo turno. Dois vigaristas sedutores que polarizaram o debate ideológico que levou o país a este buraco em que estamos. Quem não aprende com a História está condenada a revivê-la. Resta saber até que limite o elástico pode ser esticado para suportar tantas experiências mal sucedidas.