REMINISCÊNCIAS NA AV. PAULISTA. JC.

O dia amanheceu cinzento. Não se inicia com uma boa perspectiva, mas, a de que será um daqueles bem longos. A noite também fora longa, quase que interminável. Chuva intensa. Dentro de seu quarto JC parecia não saber lidar com o presente, rolou de um lado para outro em sua cama e inquiriu acerca de cada centímetro de sua existência. Os problemas pareciam imensos e ficavam assustadores na penumbra daquele quarto pequeno e solitário.

JC iniciou mais um dia de trabalho não como tantos outros antes, afinal a chuva, aquela aterradora da longuíssima noite, não dava trégua alguma. O herói do cotidiano decide não pôr sua capa que o faz parecer comum a multidão e, ao mesmo tempo, o protege do frio desolador que aquela imensidão de água provoca, antes prefere sentir na pele as angustiantes gotas que, acredita ele, vêm do céu.

Durante seu trajeto, enquanto passava por uma grande clareira no seio da selva, mais precisamente na Avenida Paulista, observou uma grande movimentação. Havia um carro da equipe de resgate, havia sangue escorrendo e misturando-se à chuva, haviam lágrimas sobrepondo-se ao sangue, havia um rio de tristeza e havia um mar de rotina naquilo tudo. Lembrou-se de um texto que envolve sua vida: Densos líquidos. JC prossegue em seu caminho.

JC escolhe olhar para tudo que o cerca e à sua frente vê um Toyota Prius, híbrido, com faróis de LED, a chuva aumenta. Quando olha para o retrovisor de sua moto vê um Opala, ano 1992, escuro e imponente, a chuva cessa e JC deixa escapar um sorriso.

Para em um semáforo. A luz vermelha e a faixa de pedestres o impedem de prosseguir. JC tem problemas com aquelas barras paralelas pelas quais as pessoas se vêm obrigadas a passar, na estante de sua casa dezenas dessas barras tiram seu sono e também o impedem de ir adiante. Olha para o retrovisor e vê um campo de futebol e, nele, dezenas de meninos disputando uma bola, porém o que chama a atenção de JC é um garoto sentado no banco de reservas, marrento, cheio de personalidade e perspectivas, olhar altivo. O garoto é chamado do banco, trata com desdém aquele chamado, se levanta, vai para o campo para resolver o problema de todos com um olhar daqueles que subjuga príncipes e reis. Não há chuva no campo, não há barras que impedem o garoto de continuar a dar passos, há apenas o garoto e uma imensa gama de possibilidades. O garoto entra em campo, bate uma falta e fim, acabaram-se os problemas de todos. JC sorri e volta a olhar para frente. A luz vermelha no alto combinadas às barras no chão o param, volta a chover. O sinal fica verde, JC prossegue até que um novo vermelho e novas barras o impeçam novamente, momentos em que JC sempre apela para o retrovisor.

Termina um dia de labuta, não houve necessidade da capa afinal JC está seco. Olha para a estante e coloca, ao lado das barras que sempre o atrapalham, seu capacete para secar.

Eder Oliveira
Enviado por Eder Oliveira em 17/09/2018
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