Eu, Presidente da República
Houve um dia em que eu quis me candidatar a presidente da República. Foi antes mesmo que eu tivesse idade suficiente para votar. Tinha 15 anos e gostava de assistir aos programas eleitorais. O que eu via neles, no entanto, desagradava-me de tal maneira que comecei a pensar em como faria se o candidato fosse eu mesmo. Iria me concentrar na exposição de propostas práticas, evitando ao máximo usar termos vagos e gerais, como é do agrado de tantos políticos. Suprimiria todos os ataques e as acusações levianas, pois não me parecia honesto que eu buscasse crescer nas pesquisas à custa da execração alheia. Em suma, faria uma campanha limpa e propositiva, o que, por si só, já seria uma revolução no horário eleitoral.
Comportamento idêntico eu adotaria quando participasse dos debates. Eu já assistia aos debates e já me indignava com a maneira como os candidatos se comportavam neles. Percebia muito bem quando os candidatos não respondiam ao que se perguntava, notava a falta de lógica na argumentação e me sentia enojado diante do festival de falácias e frases-feitas com que tentavam arregimentar eleitores. Tudo isso me fazia imaginar as respostas que eu daria se fossem dirigidas a mim certas perguntas, e as respostas que eu daria seriam definitivas e exporiam o ridículo da situação. Ah, que belos discursos eu iria proferir. As perguntas que eu faria seriam incisivas e iriam direto ao ponto. Não me agradavam os floreios com que os candidatos enfeitavam as suas falas. Eu dispensaria os marqueteiros, pois já percebia que o esforço deles é para criar um candidato mais agradável que o real.
Em síntese, eu inauguraria uma nova fase na política brasileira. Evidentemente, o mais provável é que, se fosse realmente candidato, eu seria esmagado pelas velhas raposas, se é que conseguiria chegar ao ponto de precisar ser esmagado por alguém. O mais provável é que eu fosse um candidato obscuro, sem direito a participar dos debates, com cinco segundos para falar na televisão. Quando saísse uma pesquisa, diriam que “o candidato Henrique Fendrich não foi citado”. Mas aos 15 anos ainda é possível acreditar.
Verdade é que eu pensava unicamente no que faria durante a campanha, e não no que faria depois de ser eleito. Eu não tinha um projeto de Brasil, não sabia, como ainda não sei, qual é o melhor meio de se dirigir os rumos de uma nação. E como também já intuísse que não seria muito fácil sair candidato a presidente, ocorreu-me que talvez devesse me tornar um cientista político. Isso me permitiria comentar as campanhas eleitorais, eventualmente ressaltar todo o absurdo que já conseguia identificar nelas, mas sem que, com isso, fosse obrigado a fazer algo diferente. E Deus é testemunha que eu cheguei a pesquisar na Internet quais as faculdades que ofereciam o curso de Ciências Políticas. Houve um momento em que esse curso pareceu-me mais atraente que o de Letras. Felizmente, ou não, acabei atraído pelo Jornalismo, que pode até lidar com política, mas então eu já não tinha o mesmo interesse em mexer com essas coisas.
De modo que morreu aí o meu desejo de ser candidato à presidência da República. Vendo hoje a campanha eleitoral, estou certo de que os motivos que me indignaram aos 15 anos ainda persistem, até pioraram. Hoje sei que não teria estômago para esse meio. Ainda acompanho tudo, mas é com o olhar de um antropólogo a observar com curiosidade uma estranha civilização da qual não deseja fazer parte.
Jamais saberemos o que o Brasil perdeu com a minha renúncia da vida política, é verdade, mas não deve ter sido muita coisa. Também é duvidoso que tenha ganhado alguma coisa, mas deixemos isso para lá. Tudo o que espero é que as eleições passem logo.