Muita Esmola o Santo Desconfia
Ela nasceu predestinada a ser a mulher mais linda de todas, a única que poderia se comparar a beleza de Helena filha de Zeus com a rainha Leda. Perla, antonomásia de Perola, algo brilhante, forte e constante como a lua. Olhos verdes, pele morena, cabelos negros da índia Paraguaçu. Caçula das sete filhas de um casal de Mecenas, todas lindas de igual beleza, porém esnobes e ilhadas em seus guetos nobres, os pretendentes eram esboçados milimetricamente pelo cinzel dos pais, que após a escultura “grega” triava a descendência e por ultimo a conta bancária. Perla queria sentir o cheiro do povo que chupa tutano de osso, que pedala bicicleta no sol escaldante e que toma cachaça mastigando tripa de porco, cada dia que acordava estava mais linda, Helena a grande pivô da Guerra de Tróia, talvez se curvasse diante dela, se achando inferior. Sua festa de quinze anos foi no Palácio de Versalhes, convidados do mundo inteiro com suas fortunas em vestimentas, nos dedos, nos dentes e nos punhos, chegavam para abraçar Perla. Os serviçais que limpando os banheiros diagnosticavam que todos cagavam como eles, fedia igualmente, a diferença estava nas aparências. Perla era pressionada pela mãe que a queria em namorico com o filho do dono de uma fabrica de asas de avião, o pai achava melhor um herdeiro dos Orleans e Bragança, mas Perla queria chupar picolé de coco branco e sentar no banco da praça, ao invés das leituras eruditas queria os versos de Cecília Meireles. Mas existe um ditado, “A esmola quando é muita o Santo desconfia”, Perla não sabia disso e, numa manhã de sábado com sol e casa vazia, colocou um biquíni minúsculo e foi para a piscina, os pais e irmãs voltariam à tarde de uma viagem. O negrinho Migué que cuidava do jardim, era da mesma idade dela, filho do seu Zé, o motorista, crescera visitando a casa. Perla chamou Migué e pediu que ele passasse bronzeador nas suas costas, ele solicito aceitou, mas com um tremendo receio de encarar demais aquela bunda que engolia a tira do biquíni. Passava o líquido com o olho nas nuvens e a cabeça faiscando. “Passa na minha bunda também!” Perla falou sussurrando para o rapaz que sentiu uma pedra travar na garganta, tinha medo de dizer que não o faria, mas o medo de tocar aquela preciosidade era bem maior. “Por que sua mão está tremendo?” Perguntou olhando com seu olho verde dentro daqueles medonhos do negrinho que nada conseguia dizer. Migué esfregou tão rápido que quase arranca a delicada pele da moça. “Agora vou tirar a parte de cima, pra você passar também!” Disse se desnudando sem pudores, o rapaz sem jeito, com suor pingando do nariz, saiu correndo como se o Pitibul houvesse se soltado da grade. Daí em diante Perla decidiu que queria ser depravada, puta como via nos filmes, vestiu-se com roupas justas e parou próximo a um ponto de taxi, os homens se esquivaram por acharem que se tratasse de Pegadinhas, uma obra de peões ao meio dia, ela invade insana, se exibe e diz sem cerimônias, “Quem quer?” Ninguém queria, era muito linda, cheirosa e falava bem. Alguém gritou que era armadilha. Na quadra de futebol; “Quem quer fazer um gol aqui!” Disse apontando para a vagina de pelos aparados e louros. A dembandada foi assombrosa, alguns saltaram a tela de cinco metros. “Eu vi na televisão que uma mulher bonita sai dando de graça pra passar AIDS!” Gritou um daqueles, montando na garupa de uma moto taxi. Viu uma igreja de portas abertas, lembrou-se de quanto se ouvira falar em abusos sexuais cometidos por pastores. Adentrou-se pisando lento, um grande corredor, centenas de cadeiras, um enorme palco, dois homens ensaiando um culto fervoroso, Perla sobe as escadas e para diante deles, tira toda a roupa e vocifera, “Tire o demônio de mim, agora!” Um deles apertou um botão e as cortinas se fecharam, Perla relaxou achando que seria possuída como planejara, mas vieram outras pessoas arrastando-a pelos cabelos e braços, jogaram-na dentro de um banheiro e por quase uma hora deixou que caísse água na sua cabeça. Depois disso, ela foi chutada para fora do templo, sem a bolsa e o celular. Enfim, bem que Perla tentou ser diferente das irmãs. Mas acabou se casando com um dos herdeiros da Coca Cola, rasgou os livros de Cecília Meireles e passou a ouvir Wagner. Um dia quando visitava a casa dos pais, foi se banhar na piscina, era sábado e o sol estava forte, as irmãs nadavam e ela sob o guarda-sol pediu uma caipirinha, mas exigiu que o negrinho Migué a servisse, medonho e servil o rapaz chegou com a mão esticada, segurando uma bandeja de prata. “Tá aqui dona Perla!” Disse ele. “Pode colocar ai em cima!” Disse sem tirar os óculos escuros, quando ele se apressava voltando ao que fazia, ela chamou de volta. “Pois não dona Perla!” Falou com voz medonha. “Encoste o ouvido aqui!” Ordenou ela. “Negrinho veado!” Falou em cochichos. Migué, mais uma vez saiu correndo como se o Pitbul tivesse arrebentado a grade.